Crítica

“Divertida Mente 2”: um extenso déjà vu

Mesmo com a adição de novas emoções, a sequência da aclamada animação de 2015 da Pixar não explora todo seu potencial

laura caporal
Published in
4 min readJun 20, 2024

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Ansiedade, Tédio, Inveja e Vergonha se juntam às antigas emoções em Divertida Mente 2. Reprodução: Pixar Animation Studios

Em 2015, a Pixar lançou um de seus maiores acertos: Divertida Mente. Com uma narrativa colorida ambientada majoritariamente em massa cinzenta, acompanhamos o funcionamento da mente de Riley, uma garotinha de 11 anos que é arrancada de sua rotina ao mudar de cidade por conta do trabalho de seu pai. As cinco emoções que controlam sua mente — Alegria, Tristeza, Medo, Raiva e Nojinho — operam a partir de uma sala de controle, cada uma desempenhando um papel crucial na formação de sua personalidade e de suas memórias.

A ideia para essa história surgiu após o diretor, Pete Docter, perceber mudanças no comportamento de sua filha durante seu crescimento e decidir explorar o lado psicológico disso. O filme foi Vencedor do Oscar de Melhor Animação e alcançou um enorme sucesso nas bilheterias, arrecadando mais de $857 milhões mundialmente.

Diante de tudo isso, o anúncio de Divertida Mente 2 dividiu a opinião do público, dado que o primeiro dificilmente conseguiria ser superado (ou alcançado) no quesito de qualidade e novidade. Isso foi intensificado pelo fato de as últimas sequências da Disney terem sido recebidas como iniciativas mais comerciais do que inovadoras. Ademais, sejamos honestos: a Disney carece de criatividade há muito tempo.

Com a chegada da puberdade, conhecemos a Ansiedade. Reprodução: Pixar Animation Studios

Desta vez sob direção de Kelsey Mann, a trama do novo longa-metragem acompanha o ingresso da Riley na adolescência e as mudanças que seguem essa etapa da vida. A explosão do alarme de puberdade instalado no final do filme anterior ocasiona uma reforma na sala de controle, que passa a contar com uma enorme variedade de botões e requer mais operadores para abranger as novas nuances da personalidade da Riley. É assim que conhecemos as tão aguardadas novas emoções: Ansiedade, Inveja, Tédio e Vergonha (com breves aparições da Nostalgia).

“Desculpa o transtorno! Puberdade é uma bagunça.”

Além da novidade das emoções, o filme introduz um novo elemento essencial: o sistema de convicções. Memórias especiais originam raízes que contribuem para a percepção que Riley tem de si própria. Definitivamente um ponto interessante, embora superficialmente explorado, uma vez que ressalta o quanto nossas vivências moldam nosso senso de si e nossa confiança.

A virada de chave ocorre quando Ansiedade exila Alegria e as emoções originais da sala de controle, acreditando estar fazendo o melhor pelo bem-estar de Riley ao ficar no comando. As então “emoções reprimidas” percorrem um longo caminho e se deparam com diversas aventuras tentando retornar à central e impedir que as emoções remanescentes causem grandes danos.

Parece familiar? Pois é. Esse exato modelo de narrativa foi utilizado no primeiro filme quando Alegria e Tristeza são acidentalmente expulsas da sala de controle e visitam diferentes partes da mente de Riley durante suas tentativas de retorno. Apesar de (obviamente) haverem diversas novas adições positivas ao enredo, a dinâmica torna-se cansativa de revisitar se imaginarmos o potencial de roteiros alternativos.

Para sua sorte, Divertida Mente 2 sabe universalizar as emoções da protagonista para aproximás-la do público muito bem. Como alguém que possui o painel de controle laranja na maior parte do tempo, a forma que o filme trabalha a Ansiedade me foi extremamente satisfatória e, ao mesmo tempo, incômoda. É explorado o impacto da emoção no sistema de convicções e a dicotomia de querer o melhor para Riley enquanto é capaz de causar pânico toda vez que está no comando. A dublagem de Tatá Werneck adicionou camadas à personagem de um jeito que apenas ela conseguiria, acalmando quem receou seu anúncio como participante do elenco.

Infelizmente, a Ansiedade parece ter sido a única nova emoção a ser bem desenvolvida. Assim como Alegria e Tristeza tomaram todo o foco e construção para si em Divertida Mente, na sequência a profundidade de Vergonha, Tédio e Inveja deixa muito a desejar. Além disso, o enredo é desenrolado no período de três dias, o que nos faz duvidar sobre a real intenção do filme de explorar a puberdade e suas implicações na vida de uma adolescente.

Em compensação, no quesito humor e sagacidade existem ótimas contribuições. Uma divertidissísma aparição de animações 2D e diversos jogos de palavras relacionados ao cérebro (fluxo de consciência, abismo do sarcasmo e tempestade de ideias) conseguem tirar a atenção de adaptações cringes de expressões modernas da dublagem e abrem espaço para boas risadas dos telespectadores.

Se Divertida Mente abordava a Tristeza pelo passado, Divertida Mente 2 aborda a Ansiedade pelo presente e futuro. Embora conte com aproximações sensíveis, não chegamos nem perto de sermos impactados como naquela cena do Bing Bong no primeiro filme.

Mesmo que aproximada por outro viés, a grande lição de moral ainda consiste na importância de valorizar todas as emoções igualmente. É como se a franquia tivesse tornado “a união faz a força” um mantra pessoal. A representação de conflitos adolescentes é boa. O filme é bom.

Porém a Pixar já produziu filmes que eram muito mais do que apenas bons.

Divertida Mente 2 estreia nos cinemas do Brasil dia 20 de junho. Tem cena pós-créditos.

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