CINEMA

“Elementos” e a insuficiência crônica de uma Fábrica de Sonhos

Vítima de expectativas elevadas, último lançamento da Pixar divide opiniões do público e pode influenciar os rumos da produtora

Luana Pazutti
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4 min readJul 28, 2023

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Vinheta da Pixar cativa audiência antes mesmo de começar o filme. Reprodução: Pixar Animation Studios.

Tela cinza azulada. Letras pretas levemente espaçadas. Entra em cena uma luminária branca um tanto quanto agitada. Tun tun tun tun. De pulinho em pulinho, ela alcança a letra “I”. Sacode para um lado, sacode para o outro. Olha para a plateia com ar de questionamento — quem nunca se sentiu indagado por um objeto inanimado? — e decide tentar um ato ousado. Pow pow pow. Com um salto, nosso protagonista esmaga a letra, sem nem sequer deixar vestígios de sua breve existência. Tcharaaan. Missão cumprida: a luminária saltitante encerrou sua aventura e, com isso, sabemos que a nossa está apenas começando.

Em 13 segundos, a Pixar nos entrega uma história. Em 13 segundos, a Pixar nos entrega uma memória que perpassa gerações. Tida como um dos maiores expoentes no universo das animações, a produtora é responsável por revolucionar o gênero não apenas pelos recursos técnicos, mas também pelas narrativas e temáticas exploradas. Entretanto, em meio a uma grandiosidade que nem mesmo uma avalanche de onomatopeias é capaz de descrever, lançar um novo filme pode não ser uma tarefa fácil.

No dia 15 de junho, “Elementos” — a mais recente produção da Pixar — estreava nas salas de cinema de todo o país. Dirigida por Peter Sohn, a comédia romântica se passa na Cidade Elemento, em um universo onde água, terra, fogo e ar têm vida própria. Com metáforas à diversidade cultural e aos desafios da imigração, o filme traz uma problematização fundamental, porém rasa. Um romance envolvente, porém uma aventura pouco desenvolvida. Um cenário novo, porém um território já familiar demais.

Último lançamento do estúdio explora um universo onde água, terra, fogo e ar têm vida própria. Reprodução: Pixar Animation Studios.

Durante um longo período, a Pixar investiu em narrativas pautadas no ato de “ir e vir”, mote para grandes sucessos como “Toy Story”, “Procurando o Nemo”, “Wall-E” e “Up Altas Aventuras”. Convidando o público a embarcar em uma jornada de descobertas inimagináveis, a empresa subsidiária da Disney explorava a partida do herói rumo à aventura. Contudo, desde o inesquecível “Divertida Mente”, a premissa é outra: o enredo foca no desenvolvimento pessoal e, especialmente, nas relações interpessoais. Nesse sentido, “Elementos”, por sua vez, não traz grandes novidades.

Diante de uma recente tendência a investir na reciclagem de personagens já conhecidos, por meio de remakes e sequências, o último lançamento não parece esclarecer com exatidão quais serão os próximos passos do estúdio. Pelo contrário, o filme — que veio justamente para atestar ou não a preferência da audiência por novas histórias — se deteve ao básico e trouxe à tona um leque de novos questionamentos.

Aludindo a uma das principais tramas do universo literário, a narrativa acompanha o despertar do relacionamento proibido entre Faísca e Gota. Permeado por desaprovações familiares, estereótipos e barreiras sociais, o romance — com ares shakespearianos — envolve o público em uma atmosfera encantadora de afeto e esperança. Contudo, apesar de desenvolver com maestria a história de amor entre um Romeu sentimental e uma Julieta pouco paciente, o filme tenta abranger mais lições do que 1h42min consegue sustentar.

Romance encantador entre Gota e Faísca é um ponto positivo da trama. Reprodução: Pixar Animation Studios.

Falta espaço para aprofundar não apenas a pauta migratória e as conexões familiares, mas também a própria aventura central da trama. Com pouca ênfase ao amadurecimento de Faísca, na bagagem emocional de Gota e nos desafios enfrentados pelo casal, a obra deixa o espectador com a sensação de que tudo se resolveu muito rapidamente. Não há tempo suficiente para se deixar envolver.

Entretanto, em meio a um roteiro que dividiu opiniões, há uma certeza: o filme é um colírio para os olhos. Com cenas muito bem pensadas e traços exuberantes, o visual da produção, por si só, é capaz de elevá-la ao status de uma cativante obra de arte. Confrontando a ideia de que fogo e água não se misturam, a magia inerente às personagens e aos cenários evidenciam que a Pixar ainda tem muito a oferecer para sanar as expectativas do público, basta driblar o peso de seu próprio legado. Afinal, sabemos que a nossa fábrica de sonhos é capaz de muito mais do que 13 segundos de história.

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Luana Pazutti
Caderno 2

jornalista em formação pela ufrgs | em busca de novas formas de contar histórias