Literatura

Em “O Sol e A Estrela”, Nico di Angelo e Will Solace salvarão a si mesmos?

Parte do universo de “Percy Jackson e os Olimpianos”, livro foi lançado no Brasil pela Intrínseca em julho de 2023

Isabela Daudt
Published in
4 min readFeb 21, 2024

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Reprodução: Intrínseca

“Vai e encontra aquele que não para de te chamar,

Que sofre e se desespera por se recusar a ficar;

Lá, deixa para trás algo de igual valor,

Senão seu corpo e sua alma se perderão no calor.”

“O Sol e A Estrela”, coautoria de Rick Riordan e Mark Oshiro, apresenta a aventura dos semideuses Nico di Angelo, filho de Hades, e seu namorado, Will Solace, filho de Apolo, no Mundo Inferior. A história se passa após a saga “As Provações de Apolo”, quando Nico começa a ser atormentado em pesadelos por uma voz pedindo sua ajuda. Em seguida, uma nova profecia confirma suas suspeitas: o ex-titã Bob necessita do semideus para fugir do Tártaro. Sendo assim, Nico e Will se lançam em uma missão arriscada para salvar o amigo, que Percy Jackson e Annabeth Chase precisaram deixar para trás em aventura anterior.

Com 384 páginas, a obra é dividida em 51 capítulos que alternam, inclusive graficamente, entre as perspectivas dos protagonistas. Um fato curioso é que o símbolo que indica o número de cada capítulo muda de tonalidade conforme a personagem que se refere. Quando o símbolo está escuro, acompanhamos a visão de Nico, o que representa suas trevas e traumas. Já quando está claro, seguimos os pensamentos de Will, marcando sua luz interior e exterior. Apesar dessa organização bem estabelecida, em alguns momentos os pontos de vista das personagens se revezam dentro de um mesmo capítulo.

Outra questão gráfica que não passa despercebida é a própria cor das páginas. Do capítulo 16 até o 18, as folhas são escurecidas — o que simboliza a dificuldade narrada. Nesse momento da história, quando os semideuses já estão imersos no Mundo Inferior, Nico relata suas lembranças das dolorosas vivências de uma antiga aventura, sua queda sozinho no Tártaro, para Will e para os seus amigos trogloditas. Logo, há uma quebra de continuidade cronológica, ou seja, o livro também é conduzido a partir do fluxo de memória dos protagonistas, oscilando entre passado, presente e futuro.

A exemplo dessa oscilação entre tempos, tem-se o próprio começo do livro. A história é iniciada em um subcapítulo, indicado pela figura de um barco, no qual percebemos que se trata de uma situação futura que Nico e Will enfrentarão, junto à personagem Gorgyra, para conseguir chegar às profundezas do Tártaro. Nesse sentido, a narrativa já começa em um ponto crítico, pois apresenta um Will muito ferido, com sangramentos, e fraco. No decorrer da obra, subcapítulos como esse rompem a sequência cronológica dos acontecimentos, causando apreensão no leitor. Sabemos que Will é filho do deus do sol e tem potencialmente menos chance de sobreviver a essa missão repleta de escuridão e dor e, por isso, tememos que ele tenha que ser deixado para trás, como diz a profecia.

“O Sol e A Estrela”, como o próprio título indica, carrega ares de oposição. De um lado, Will, o sol, curandeiro que encontra seu poder na luz e nas músicas que canta. De outro lado, Nico, a estrela, nascido e criado na escuridão, rei dos fantasmas, que encontra no Mundo Inferior seu segundo lar. Apesar de os opostos de fato se atraírem nesse relacionamento, a aventura sombria coloca à prova os sentimentos e desafia a confiança do casal.

Assim, o livro é conduzido a partir de uma atmosfera de intriga constante, que em certo grau até me incomoda pelo exagero, sobretudo no início da narrativa, onde Nico se mostra pouco disposto a compreender os medos — muito bem justificados — do namorado. Esse clima vai se amenizando à medida em que os próprios protagonistas percebem essa incompreensão mútua e buscam se ajustar e entender o lado do parceiro. Afinal, a vida e o amor sempre encontram um modo de sobreviver nas trevas.

Além dessa emergente compreensão que vai sendo gradualmente estabelecida, outro ponto que me cativa na obra é a inversão de papéis. Will nasceu para ajudar e curar os outros; no Acampamento Meio-Sangue, é ele quem trabalha na enfermaria. Entretanto, na hostilidade do Mundo Inferior e do Tártaro, é ele quem necessita ser cuidado, e Nico rapidamente assume esse papel de proteção para com o namorado, o que acaba consolidando uma parceria muito bonita entre os dois.

Essa parceria, inclusive, é essencial para a aventura, segundo Percy Jackson e Annabeth Chase, que são consultados por Nico e Will antes da empreitada deles ao Mundo Inferior começar. O casal busca dicas de Percy e Annabeth, já que, assim como Nico, eles sobreviveram ao Tártaro, especialmente pelo fato de estarem juntos. Nesse momento, há uma ligação entre as obras de Rick Riordan, a qual particularmente me agrada enquanto fã do universo literário. Aliás, acredito que essa interação teria sido muito bem-vinda em outras partes do livro. De qualquer forma, o recado de Percy e Annabeth foi essencial: Nico e Will teriam que lembrar frequentemente um ao outro da vida que levavam fora do Mundo Inferior se quisessem ter a oportunidade de sobreviver e salvar Bob da força inimiga.

Por fim, vale destacar que “O Sol e A Estrela” é uma obra muito representativa, bem como os demais best-sellers de Rick Riordan, sobremaneira por abordar questões importantes na sociedade, como a homossexualidade e a identidade de gênero. Nessa obra, o leitor é apresentado a personagens que não se encaixam nem no gênero feminino, nem no masculino e, por conseguinte, optam por serem tratados pelo pronome neutro. Essa questão levantada é significativa para que todos os leitores possam ter a chance de se identificar, apesar de suas próprias trevas, com alguma personagem do universo de Percy Jackson. Portanto, fica a seguinte lição: todos temos luz dentro de nós e todos somos dignos de sermos salvos!

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