Cinema

“Fúria Primitiva” é freneticamente hipnotizante

A brilhante estreia de Dev Patel na direção quebra o estereótipo dos filmes de ação e nos apresenta uma história de justiça, vingança e ancestralidade

Julia Hoppe
Caderno 2
Published in
3 min readJun 18, 2024

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Pra falar a verdade, eu nunca fui muito fã de filmes de ação. Essa coisa de tiro, lutaria e briga pra mim nunca colou. Curiosamente, com esse filme a história foi diferente, peguei um cineminha despretensioso e já nos primeiros 5 minutos de tela fui completamente arrebatada.

Lançado nos cinemas brasileiros em maio de 2024, Fúria Primitiva (originalmente intitulado “Monkey Man”) conta a história de um jovem indiano identificado apenas como Kid, que ganha a vida em um clube de lutas clandestinas vestindo uma máscara de gorila. Motivado por um trauma de infância, Kid embarca em uma violenta jornada por justiça ao se deparar com uma oportunidade de se infiltrar na elite da sociedade.

O filme possui a estrela de Hollywood Dev Patel como protagonista, diretor, roteirista e produtor, em conjunto com o fenômeno Jordan Peele.

Caracterização assustadoramente genial do personagem — Reprodução: Variety

Aviso aos desavisados: a crítica a seguir contém spoilers mínimos, pode ir sem medo ;)

No ringue, cada lutador representa um animal, uma besta, e a escolha do protagonista pelo macaco se torna muito mais pessoal uma vez que a trama em si é toda entrelaçada com a lenda hindu de Hanuman, o deus-macaco. A lenda aparece em flashbacks do protagonista onde sua mãe a lê em um livro ilustrado. Essas ilustrações infantis, mescladas com as cenas de Kid ainda pequeno criam uma atmosfera extremamente intimista em certos momentos, o que contrasta — mas não contradiz — com a gráfica violência de certos outros.

A cinematografia de Dev Patel é construída com uma sensibilidade, uma delicadeza quase etérea. Mesmo na hora de retratar o lado cru daquela sociedade, a corrupção das camadas mais altas e as condições precárias das mais inferiores, todas as escolhas — do roteiro à fotografia — são de muito bom gosto. Nas cenas de conflito e perseguição tudo é frenético e colorido na medida certa, a coreografia de luta é muito bem temperada e abre pouquíssimo espaço para aquela suspensão de descrença que costuma correr solta no gênero de ação (aqueles momentos em que a gente chega a achar tosco de tão absurdo, sabe?).

Ao mesmo tempo em que guarda a motivação principal de tamanha raiva do jovem lutador para ser contada em um momento estratégico, o filme desde o primeiro minuto provoca em quem assiste a incômoda sensação de injustiça e desconfiança em relação ao líder religioso e à própria polícia local, tecendo alfinetadas ao fanatismo religioso das camadas populares e o abuso de poder das autoridades.

Festival hindu retratado no filme — Reprodução: CNN

Além disso, a relação entre a mitologia hindu e o arco de redenção do protagonista é bem apresentada e traz pro mainstream o gostinho de uma cultura que não é tão familiar, instigando a curiosidade de querer saber mais. Intrinsicamente ligado a essa espiritualidade, o núcleo LGBTQ+, que acolhe, cuida e apoia o personagem principal é uma adição sutil e importante na trama, representando uma força que transcende a expressão de gênero.

Por fim, encaro a produção como uma experiência extremamente imersiva e visualmente fascinante. Que Dev Patel manda muito bem na frente das câmeras já é de conhecimento geral, mas definitivamente foi um chute na porta muito bem coreografado esse começo de carreira por trás delas também!

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Julia Hoppe
Caderno 2

Estudante de Jornalismo, usuária de letterboxd nas horas vagas e apaixonada por moda!