Crítica

“Fale Comigo” tem tudo para um bom terror na palma da mão

Filme de terror australiano promete uma nova forma de guiar o espectador pelas cruéis e assustadoras consequências de se estender a mão aos mortos

breno bauer
Published in
5 min readAug 18, 2023

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Reprodução/A24

Anorma padrão do cinema de terror é simples: basta fazer um filme repleto de sustos e com uma premissa pouco original e o resultado é certo; a bilheteria vai ser satisfatória e lucrativa, afinal, por algum motivo, gostamos de pagar para levar susto. De tempos em tempos, porém, surge uma exceção: algum filme, dirigido por algum diretor pouco conhecido e com um elenco improvável, que decide sair da zona de conforto e inovar, ao menos um pouco, na proposta. O resultado é sempre um destes dois ou surpreendentemente excelente, ou catastroficamente falho.

Talk to Me (Fale Comigo), filme australiano lançado em 2022 no Adelaide Film Festival e que agora chega aos cinemas ao redor do mundo, é uma dessas exceções. A produção marca a estreia dos irmãos Danny e Michael Philippou na direção de longas-metragens após o sucesso de seus curtas de horror e comédia no YouTube.

No filme, acompanhamos Mia (Sophie Wilde), uma jovem que, após a morte da mãe, começa a frequentar a casa da família de sua amiga Jade (Alexandra Jensen) como forma de escapar da convivência desgastante com o pai. Em uma noite, quando por curiosidade as duas vão a um encontro com amigos de Jade, Mia experimenta uma nova obsessão do grupo: uma mão de gesso capaz de conectar qualquer um a um morto. Ao acender uma vela, apertar a mão, pronunciar as palavras “fale comigo” e permitir que o espírito entre em seu corpo, qualquer um é capaz de experimentar noventa segundos de possessão, nunca mais que isso. O que começa como uma brincadeira problemática, acaba progredindo para um cenário muito mais tétrico.

A partir disso, o roteiro se desenrola por caminhos bastante inesperados e originais, mesmo tendo em mãos (e mãos não faltam nesse filme) algumas releituras de eventos corriqueiros em filmes de terror. Um trauma mal resolvido, uma ponte com o mundo dos mortos…

O que definitivamente me agrada muito é o domínio dos roteiristas sobre a construção de um ritual desconhecido tanto para o público quanto para as personagens. Aliás, o desconhecido é trabalhado aqui de forma muito sagaz. A originalidade de se criar uma mitologia completamente nova para o mundo dos mortos contribuiu muito para que as incertezas e as angústias das personagens com relação às consequências do aperto de mão também fossem as do espectador ― o que dificilmente acontece em filmes de terror com temáticas batidas e clichês. A sensação gritante que impera ao longo do filme é a de que ninguém tem as respostas e que seja qual for o caminho a ser tomado, ele está sendo desbravado pela primeira vez.

Não há herói, medium ou padre que entre como deus ex machina nos momentos de dúvida na narrativa. Aqui, um dos principais fatores que causa o suspense do filme é a falta de oportunidades de se sentir seguro durante a narrativa. Tudo é uma incógnita, cada passo é incerto, cada ação causa desconfiança. Até mesmo o jogo de câmeras é trabalhado para causar o receio do desconhecido, contribuindo para o brilhante trabalho da montagem e da trilha sonora do filme para criar expectativas e quebrá-las.

Outro ponto responsável por dar ao filme seu tom muito fascinante é que, desde a primeira cena, entendemos que ele não tem pretensão de ser piedoso, suave ou compassivo com suas personagens e que a brutalidade gráfica será um recurso explorado sem hesitação para o desenvolvimento da história. Os roteiristas e, com inúmeros méritos, a direção de arte souberam trabalhar com primor, tanto no aspecto visual quanto na abordagem narrativa, a forma chocante que o estranho, a violência, a repulsa e a barbárie são capazes de causar medo. E isso é feito sem transformar tudo em um filme de ação barato, em que a violência é a solução para qualquer arco narrativo ou o eixo central e a força motriz de todo o esqueleto do roteiro. Aqui, ela aparece quando é essencial e se soma aos diversos outros trunfos que os efeitos especiais e a maquiagem alcançaram. Em um resumo: o longa não tem medo de ser um filme de horror ― o que muitas vezes ocorre com alguns produtos do gênero que tentam inovar a qualquer custo.

No entanto, o que faz com que o filme de fato cause medo sem cair na mesmice é o excelente desenvolvimento humano das personagens. De um lado, vemos uma construção que aposta em explorar os traumas, o luto, os receios e as inseguranças de cada personagem e conectar isso diretamente com a trama sobrenatural. De outro, vemos atuações cativantes e variadas. Enquanto temos Miranda Otto — conhecida por interpretar Éowyn em O Senhor dos Anéis — no papel de uma mãe protetora, que por vezes vai trazer um certo alívio cômico bem posicionado para a tensão do filme, também temos um núcleo jovem bastante promissor. Para além das duas garotas que dividem o protagonismo, destaco Joe Bird no papel de Riley, irmão mais novo de Jade, um jovem adolescente que vive em conflito para se provar maduro.

Ao fim do filme, as sensações que prevaleceram foram a satisfação por ver um filme tenso o tempo todo, que até nas cenas mais calmas faz o espectador estar atento, e o prazer de ver uma narrativa que não subestima seu público, ou seja, que não tem necessidade de esmiuçar cada detalhe da história para fazer sentido. Prevalece também a reflexão, ao mesmo tempo central e sutil, sobre o falso conforto e a degradação provocada por qualquer tipo de vício. Minhas únicas ressalvas foram com alguns diálogos e sequências de cenas um pouco deslocadas, mas que não afetaram a experiência do filme no geral.

Se ainda preciso deixar claro: o resultado de Talk to Me foi, sim, surpreendentemente excelente (nota 4,5/5) e definitivamente merece uma chance de todos os fãs de horror por aí.

O filme chega aos cinemas dia 17 de agosto e já tem sequência confirmada.

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