Literatura

Flores para Algernon: quebrando barreiras do tempo

Publicado originalmente em 1959, o conto de Daniel Keyes -que posteriormente virou livro- ganhou nova edição pela Aleph

Luiza Duarte
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3 min readApr 21, 2022

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Reprodução: Editora Aleph

Originalmente publicado como um conto em 1959, e transformado em livro em 1966, “Flores para Algernon” conta a história de Charlie Gordon: um homem com deficiência intelectual que, aos 32 anos, possui 68 de QI — a média “normal” sendo entre 90 e 110. Por conta disso, acaba fazendo parte de uma experimento científico e se submete a uma cirurgia para aumento de QI. Essa cirurgia é um sucesso, e conforme acompanhamos o desenvolvimento da inteligência de Charlie e seus planos para o futuro, também vemos seu retorno ao passado através de memórias que vão ser desbloqueadas e interpretadas pelas novas lentes de seu cérebro avançado.

Após ganhar uma edição especial pela editora Aleph, em 2018, “Flores para Algernon” voltou a fazer sucesso — mais de 50 anos depois do lançamento — principalmente graças à influência do “booktube” e do “booktok”. A redescoberta dessa história se dá devido ao tema ainda muito atual sobre o qual escreve Daniel Keyes: o impacto que nossas falas e atitudes têm sobre o outro, a necessidade de respeitar à todos independente das diferenças e, o foco central do livro, a atenção (muitas vezes esquecida) que precisa ser dedicada para nossa saúde mental e emocional.

A escrita de Keyes é fantástica, visto que acompanhamos a evolução do QI de Charlie palavra a palavra: o livro, que é dividido em “relatórios de progresso” escritos pelo personagem, começa com quase todas as palavras sendo erradas ortograficamente, frases compridas sem pontuação e escritas como são faladas. Depois, com o gosto adquirido de Charlie pela leitura e sua nova capacidade para absorver conhecimento, ele vai progredindo até escrever corretamente, pontuar e separar diálogo de texto corrido, da mesma forma que progride com sua linha de raciocínio e suas preocupações — antes inexistentes, já que não sabia que havia qualquer coisa sobre a qual se preocupar.

É difícil não se emocionar com as informações, muitas vezes tristes, que Charlie vai desenterrando do fundo de sua memória. Sua história mostra que não vale somente desenvolver o intelectual sem desenvolver o emocional, pois de nada adianta não saber lidar com as descobertas feitas no decorrer do tempo (especialmente, se não forem feitas no tempo “adequado”). Ficamos com a reflexão: até que ponto a ignorância é uma bênção? Ao mesmo tempo, até que ponto a inteligência é uma maldição?

Charlie e o rato Algernon, na adaptação cinematográfica do livro | Reprodução: Google

Graças ao sucesso e atemporalidade desta obra, “Flores para Algernon” inspirou o filme de 1968 “Os Dois Mundos de Charly”, cujo ator que interpretou Charlie (Cliff Robertson) ganhou o Oscar de Melhor Ator. Também rendeu uma adaptação (aqui no Brasil, chamada de “Um Amigo para Algernon”), estreada em 2000 e dessa vez com Matthew Modine no papel principal (foto acima).

Sem dúvidas, é uma ficção-científica que deve ser adicionada na lista de leituras até daqueles que não curtem o gênero, pois apesar de algumas explicações necessárias referentes às cirurgias e processos cerebrais apresentados durante a narrativa, o principal propósito da história de Charlie é não só trazer a representatividade dos deficientes intelectuais, que podem não perceber aquilo pelo que passam da mesma forma, mas que sentem e, à sua maneira, lembram; mas também inspirar a empatia e fazer-nos refletir sobre o papel que desempenhamos no cotidiano daqueles que nos cercam.

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