Fuga da Galinhas: A Ameaça do Capitalismo

Novo filme apresenta mensagens sobre família e liberdade, e é a continuação de um dos stop motions mais famosos da história do cinema de animação

Raquel Bruhn
Caderno 2
Published in
5 min readJan 23, 2024

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Imagem: Mundo Conectado

No dia 8 de dezembro estreou, no Reino Unido, o filme Fuga das Galinhas 2: A Ameaça dos Nuggets. Em 15 de dezembro, o filme foi disponibilizado para o resto do mundo por meio da plataforma de streaming Netflix. O filme tem uma hora e meia de duração e é do gênero de animação stop motion, ou seja, ele é filmado a partir de milhões de fotos de cenários e personagens parados, que ao se colocarem juntas formam movimento, e assim, uma história. Um dos animadores do filme é Thiago Calçado, brasileiro e nascido em Uberaba, Minas Gerais. Ele ganhou o Oscar de 2023 ao animar a nova adaptação de Pinóquio de Guillermo Del Toro. Thiago relata que para animar Fuga das Galinhas 2 utilizou 24 fotos por segundo. Infelizmente, esse é provavelmente um dos últimos filmes deste gênero produzidos com massinha, pois a fábrica que fazia essa massinha específica para filmes em stop motion está fechando suas portas.

O filme é a continuação de Fuga das Galinhas, lançado no ano 2000. O primeiro filme se tratava de um grupo de galinhas lideradas por Ginger, uma galinha corajosa e que não estava satisfeita com a vida dentro de uma granja que abatia as galinhas, então, depois de muitas tentativas, elas conseguem fugir da granja. O segundo filme mostra a vida e as complicações após a fuga.

Ginger e o galo Rocky ganham uma filha no segundo filme. É a nova criança que provoca a maior parte do enredo do filme. Antes de nascer, as galinhas fugitivas encontraram um lugar lindo e pacífico para viverem como galinhas selvagens em uma comunidade que se auto sustenta, produzindo seus próprios alimentos e administrando sua própria sociedade. Porém, com o nascimento da criança curiosa e destemida como a mãe, problemas começam a aparecer.

Revolução

Desde o primeiro filme, as pessoas costumam associar a história das galinhas que fogem da granja como uma revolução de raízes socialistas. Principalmente com a famosa fala de Ginger, quando tenta incentivar as outras galinhas a lutarem por sua liberdade:

“Então botar ovos a vida toda e depois ser agarrada, degolada e assada está bom pra vocês?”

Ginger quer sair da granja para sobreviver, e não só por querer ser livre. Com isso, é possível perceber que o sistema onde elas eram exploradas, é o que motivou a fuga das galinhas. Isso traça uma linha de narrativa muito parecida com as revoluções comunistas e socialistas históricas que aconteceram na realidade, onde as pessoas não se encontravam felizes naquele estilo de vida e almejavam um sistema que traria conforto para todos, e não somente aos chefes e pessoas com autoridade e poder, que no filme é retratado pela dona da granja, a Sra. Tweedy.

Principais mudanças

No segundo filme, essa característica revolucionária é apresentada de um jeito diferente. Molly, a filha de Ginger e Rocky, nasce e cresce afastada de qualquer contato com outros animais e humanos, e por isso, quando chega na fase da adolescência, possui uma curiosidade imensa de explorar o que existe além de sua ilha pacífica. Ginger e Rocky nunca contaram para ela o quão perigoso era o exterior, e justamente por não ter sido discutido com Molly, isso faz com que se sinta aprisionada na ilha, tal qual sua mãe se sentia enquanto estava na granja. A fuga do segundo filme não é sobre sobrevivência, é sobre inocência e desinformação.

Imagem: Sopa Cultural

Assim que Molly foge da ilha, ela encontra com sua mais nova amiga, Frizzle, também fugitiva de sua granja. As duas veem um caminhão com a propaganda de uma granja que promete um balde de felicidade para as galinhas de todo o mundo. Iludidas por essa publicidade, elas entram nesta granja super tecnológica e começam a se divertir. Mas essa diversão não durou muito e não demorou até as amigas descobrirem a verdade sobre o que acontecia dentro da granja. A impressão que o filme dá, é que o funcionamento da granja é o mesmo que no primeiro filme, mas em um mundo de capitalismo moderno. A diferença surge na industrialização, na produção de nuggets. A questão da sobrevivência é a mesma, o que mudou é o modo em que a granja controla e aliena as galinhas.

Conclusão sobre o filme

Fuga das Galinhas 2 acaba se distanciando da energia revolucionária por abordar outros assuntos como o relacionamento entre pais e filhos. Enquanto assistia o filme, vieram na minha cabeça várias referências, intencionais ou não. A primeira é quase óbvia: os campos de concentração nazistas, que são, na verdade, inspiração para o primeiro filme. A segunda é uma analogia com a tradicional história do Pinóquio, que até faz sentido se lembrarmos de quem foi o animador do filme. Mas é a história de crianças que não fazem o que os pais pedem, são iludidas por alguma promessa fantástica e acabam se dando mal. É exatamente o que acontece com Molly, e por isso o filme se baseia na busca de sua família para salvá-la do problema.

Este segundo filme não possui toda a profundidade e seriedade do primeiro filme. É um filme mais divertido, com piadas e cores vibrantes. Isso explica todas as críticas negativas que o filme está recebendo. As pessoas que assistiram ao filme do ano 2000 tinham expectativas e elas não foram alcançadas. Os fãs ficaram decepcionados pela falta de profundidade e obviedade de discussões sobre a luta de classes, tão presente no primeiro filme. A crítica social está diluída entre várias outras situações menos impactantes e por isso acho que o nível em geral do filme decaiu, de forma que não marcará a memória de gerações como o primeiro fez.

Sugestão de conteúdo para os interessados em uma análise mais profunda do filme: https://youtu.be/vF3dMiKSnbA?si=auk9SLp1Y6Y1YAS1

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