Música

Jalile: navegando entre ritmos e identidades

“Diz que me vê” foi o título escolhido pela cantora para seu show de conclusão de curso que preencheu a sala Qorpo Santo da UFRGS na última terça-feira (05/12).

Luiza Beber
Caderno 2
Published in
4 min readDec 8, 2023

--

Esse texto é de autoria de Luiza Beber e laura caporal.

Nascida em Minas Gerais e radicada em Porto Alegre desde seus 12 anos, a cantora, compositora, multi-instrumentista e produtora musical Jalile iniciou cedo seu relacionamento com a música. Sua participação na igreja durante toda sua adolescência contribuiu fortemente para o desenvolvimento de suas habilidades musicais. Com o ingresso na UFRGS e, em sequência, sua participação no grupo de pesquisa em estudos de gênero “Sônicas”, ministrado pela professora Isabel Nogueira, a artista pôde estudar seu processo criativo e exprimi-lo em ritmos como o brega e o softfunk, misturados com o pop e o indie.

Não é necessário mais do que alguns minutos em sua presença para perceber que Jalile é uma artista completa. Sua versatilidade não apenas se manifesta na habilidade de transitar entre diferentes estilos, mas reflete também sua busca por uma expressão autêntica. A cantora transforma seu passado na igreja e suas percepções de autoestima e lesbianidade em uma lírica vulnerável e honesta, abrindo espaço para o público abraçar as melodias e conectar-se intimamente com suas experiências.

Dezesseis músicas compõem a totalidade do espetáculo, que foi dividido em partes bem definidas — e diferentes. O show foi introduzido com maestria: a performance de canções como “Tava na Ponta da Língua” e “Demorei pra Assumir” — algumas das mais conhecidas da artista — foi executada de maneira genial, contagiando e capturando o público desde o primeiro instante.

O segundo bloco, por sua vez, foi marcado por sensibilidade e pessoalidade tremendas. A banda se retira brevemente, deixando a cantora sozinha com seu leal companheiro: o seu violão. Jalile referencia o tempo em que tocou na igreja, rindo ao dizer que essa parte do show teria uma “energia de culto”. Dito e feito; as músicas que seguiram a declaração contaram com inúmeras marcas das experiências musicais vividas em espaços religiosos. Por mais que as letras abordassem, essencialmente, sua relação consigo mesma e tópicos relacionados à autoestima, a vivência sonora e melódica do bloco remetia ao imaginário sagrado.

Com o retorno da banda, a atmosfera se altera. Músicas como “Pecado” trouxeram ao concerto a temática do preconceito contra orientação sexual. A canção “Trovão Metal”, por exemplo, foi escrita pela baixista do espetáculo, Antonella Pons, e conta com letras como “se meu corpo fosse metal, teu ódio refletia“, relacionadas intimamente à realidade da comunidade LGBT diante da opressão.

O final do espetáculo brilhou tanto quanto — ou até mais — que o restante. A emoção do público havia sido visivelmente colocada à flor da pele e, do refrão de “Bagunça” até a última nota de “Ferve” — e mais adiante da música extra, tocada em resposta às súplicas da plateia — todos os espectadores se mantiveram em pé, cantando e dançando junto da artista. Foi um encerramento emocionante, digno do restante da apresentação.

A cantora não abandona seu bom-humor em momento algum. Mesmo durante as performances, seus comentários divertidos e leves preenchem o local com uma energia cativante. É fascinante observar o quão encantadoramente humana e vulnerável a artista se mostra, e o tamanho do carinho que ela demonstra com seu público. O fechamento do show foi tomado pelos agradecimentos a todos aqueles que ajudaram a torná-lo possível. A maioria era composta por sua família e amigos, por quem o seu amor transborda: “Eu faço música para os meus amigos”, afirma.

Jalile: cantora, compositora, multi-instrumentista, estudante, musicista, mineira, porto alegrense, ex-crente, lésbica, gorda, forte, corajosa, vista. Em meio a todas as suas identidades, que se dizem e contradizem, se entrelaçam e atravessam, está sua música. Sua música persiste, ultrapassa qualquer circunstância e independe do tempo. Esse espetáculo existe, acima de tudo, como prova viva e manifestação concreta disso.

--

--