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Lobo em pele de cordeiro

A 2ª temporada de “Bom Dia, Verônica” retrata a religião como disfarce para abusos de seus líderes e como tudo está conectado entre os poderes nacionais

Rafaellabrina
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4 min readSep 22, 2022

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Matias (Gianecchini), Verônica (Muller) e Ângela (Klara Castanho)| Foto: reprodução/ Netflix.

Se na primeira temporada Verônica (Tainá Muller) recebia demandas de violência doméstica e feminicídio, nessa, ela mergulha em uma investigação pessoal de abuso sexual e tráfico humano.

Ao buscar vingança pela morte de seu pai, repleta de ódio pelo sistema policial corrupto, Verônica forja sua morte e não conta nem para a sua família. O objetivo disso é investigar minunciosamente a máfia por trás dos casos de genocídio e abuso.

Verônica (Mulller) investigando a vida do missionário abusivo.| Foto: reprodução/ Netflix.

“O homem abusa sexualmente de mulheres que desejam o tratamento espiritual prometido”

Nos primeiros episódios já é revelado quem comanda a organização criminosa: o missionário Matias Carneiro (Reynaldo Gianecchini). Responsável por uma seita religiosa que usufrui da fé pela cura, o homem abusa sexualmente de mulheres que desejam o tratamento espiritual prometido. O missionário aparenta viver uma vida perfeita com a esposa Gisele (Camila Márdila) e a filha Ângela (Klara Castanho), além de demonstrar uma personalidade calma, quase psicopata, e manipuladora.

Essa família ideal, adepta aos bons costumes, passa a ser investigada por Verônica, e seus crimes vão sendo descobertos gradativamente. Com a ajuda da filha do missionário, que sofre abuso psicológico e sexual pelo pai, a policial descobre também um sistema de tráfico humano, ocorrendo em um orfanato liderado por Matias.

A família carneiro. Foto: reprodução/ Redes sociais.

A história de Raphael Montes e Llana Casoy foca mais na construção da personalidade do missionário e em seus crimes, do que na personagem Verônica. O enredo interliga a segunda temporada com a primeira várias vezes, o que dá mais sentido aos acontecimentos. Por exemplo, o fato do missionário Matias ser irmão do genocida Brandão (Eduardo Moscovis), da primeira temporada, dá legitimidade ao fator que nos levará para a terceira temporada: a existência de mais um irmão.

“A ficção é leal a tudo o que há de podre e perverso dentro de uma elite religiosa que vive de farça, status e regras”

Apesar de não ser um documentário, a série retrata o que se vê na realidade brasileira, isso é fato. O personagem de Gianecchini se assemelha ao líder espírita João de Deus pelo número incessante de abusos sexuais de fiéis. A ficção é leal a tudo o que há de podre e perverso dentro de uma elite religiosa que vive de farsa, status e regras. Esses são verdadeiramente os “Lobos em pele de cordeiro”, como é intitulado o segundo episódio da temporada. Além de acabar criando debates sobre como a religião, ou melhor, os religiosos são capazes de manipular pessoas para interesses pessoais.

Já no quesito interpretação, Tainá Muller volta cheia de cenas de ação, lutas, fugas e disfarces. Entretanto, como a personagem está sempre em movimento, não fica explícito os sentimentos de Verônica. Por se tratar de uma série sobre crimes cometidos contra mulheres, era esperado um pouco mais de empatia da personagem com o tema e suas descobertas, mas a policial acaba fixa numa inteligência emocional, externalizando somente o lado profissional com sede de vingança.

Reynaldo Gianecchini, por outro lado, consegue demonstrar o lado psicopata do missionário. O sotaque mineiro, as frases prontas e a manipulação sentimental trouxe carisma ao personagem. Entretanto, não há divisão entre gostar ou não de Matias, é uma percepção linear. No começo, a figura do missionário causa angústia, os primeiros episódios mostram a malícia do personagem com a filha, através do isolamento da figura “feminina” de Ângela e o ciúmes doentio pela menina. No final, parece que está no começo.

O missionário e sua filha mais nova. Foto: reprodução/ Redes sociais.

Por falar em Ângela, Klara Castanho também foi elogiada pelos críticos. A personagem possui várias particularidades, mas a mais chocante é a característica de engolir botões quando está com medo. A menina idolatra o pai, busca o amor da mãe e se aventura na paixão por outra garota. A linha dramática da personagem possui altos e baixos, e Castanho consegue delimitar muito bem esses sentimentos e distúrbios.

Bom dia, Verônica pode ser gatilho para pessoas que sofrem algum tipo de abuso ou que são sensíveis ao assunto. Contudo, a história é muito respeitosa com a temática e, em nenhum momento, é normalizada a situação. Tainá Muller, em uma entrevista com a jornalista Mariana Palma, diz que “a arte não tem o papel educar” e que “o estado e as instituições devem se preocupar com isso”. Qualquer tipo de abuso é inaceitável e deve ser denunciado!

  • Disque 100 para denunciar abuso sexual infantil;
  • Disque 180 para denunciar qualquer abuso contra a mulher;

A série está disponível na NETFLIX.

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Rafaellabrina
Caderno 2

20 anos| Estudante de Jornalismo (UFRGS)| Porto Alegre, RS.