Televisão

Mulheres do Século 20 e o fazer sentir

Ambientado na Califórnia ao final dos anos 70, o filme aborda maternidade, feminismo, choques geracionais e liberdade

Nicole Baldisserotto
Caderno 2
Published in
3 min readJan 18, 2023

--

Reprodução: Sony Pictures

Escrito e dirigido por Mike Mills, Mulheres do Século 20 conta a história de uma mãe, Dorotheia (Annette Bening), que se sente distante de Jamie, seu filho pré-adolescente — não só pela diferença de idade, já que o teve tardiamente, mas também por se sentir, de certa forma, alheia à sociedade e aos movimentos políticos e culturais do começo dos anos 80. Na intenção de aproximar-se dele, ela recorre à ajuda de sua inquilina, Abbie (Greta Gerwig) — que lida com as frustrações do começo da vida adulta — , e à amiga de seu filho, Julie (Elle Fanning) — que enfrenta as dificuldades da adolescência. Assim, Jamie passa a ter referências femininas de fases de vida distintas, percebendo as similaridades e diferenças entre as três mulheres. É diante desse contexto que o longa levanta sua questão central: como ser mulher no século 20? Ou melhor, o que é ser mulher no século 20?

É interessante observar que a história, e suas personagens, é baseada na vida de Mike. Dorotheia, por exemplo, é baseada na mãe do diretor. Já a inquilina Abbie é baseada em sua irmã.

Um dos marcos mais usados para definir gerações e personalidades, como retratado no filme, é a música. Em diversas cenas os atores dançam de forma energética e intuitiva ao som de Rolling Stones, Fleetwood Mac, Talking Heads, como se estivessem alheios à tudo, submersos em seus próprios mundos. O filme cria uma relação íntima com o espectador nesses momentos, quando os sentimentos dos personagens ultrapassam a tela e nos contagiam de um jeito único. Em meio a essa sensação gostosa que nos transporta para o final dos anos 70 estão dilemas muito recorrentes e reais. Como crescer e entender quem somos em meio a um mundo tão grande? Como lidar com a vida quando ela não acontece como planejado? Os impasses são tratados de forma sutil, mas sem apresentar soluções concretas. Afinal, acho que isso seria muito presunçoso.

A narrativa é marcada por diálogos e muito afeto entre os personagens, mesmo com todas as suas diferenças. Os coadjuvantes são compostos por histórias profundas e motivadoras, e muitas vezes eles ocupam o papel principal de forma orgânica. A fotografia, naturalista e nítida, é um dos pontos fortes. Um dos principais cenários é a casa de Dorothea, com uma decoração colorida e muito original.

Dorothea ( Anette Bening) em sua cozinha.
Dorotheia (Annette Bening) em sua cozinha. Reprodução: Google Images

Com o desenrolar da história, enquanto Jamie entende que ser homem é também entender as mulheres, sua mãe descobre um novo lugar de atuação, e reflete o seu papel como mãe e mulher criada durante a Grande Depressão americana. A Profundidade da trama é retratada com muita poesia e sensibilidade, em contrapartida ao materialismo da época e a sua consequente obsolescência, o que só exalta mais a poética do filme.

Ao final da história, depois de várias pinceladas em questões psicológicas e de relacionamentos, entendemos, na última cena, que apesar de tudo, nunca é tarde para ser o que nunca conseguimos. Apesar das adversidades da vida e da complexidade de se encontrar no mundo, em meio a tantas coisas, ainda existe espaço pra gente. A solidão da mulher permeia o filme inteiro, e ao final se encontra na realização pessoal. Que esse filme, singular e subjetivo, possa tocar o coração e causar reflexão em todas as pessoas que um dia já tentaram se encaixar em mundos distintos aos que pertencem.

--

--