Crítica

“Não! Não Olhe!”, mas por favor, assistam!

O terceiro longa de Jordan Peele mistura ficção científica, terror e muito simbolismo, evidenciando ainda mais a importância do diretor na indústria cinematográfica

Sophia Goulart
Published in
5 min readAug 25, 2022

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Jordan Peele tem se consagrado como um grande diretor e conquistado uma legião de admiradores após os sucessos de bilheteria Corra! (2017) e Nós (2019), também muito aclamados pela crítica. Não! Não Olhe! (Nope, no título original) é a nova obra cinematográfica do diretor cuja filmografia, embora pequena, já deixou sua marca no audiovisual e na indústria hollywoodiana. Seus filmes — que além de dirigidos também são roteirizados por Pelee — arrastam o telespectador para fora da zona de conforto, do lugar comum, e propõem uma reflexão sobre a mensagem das suas obras. Apesar disso, o diretor não costuma entregar todas as respostas, fazendo com que o telespectador tenha que refletir sozinho, o que torna esse efeito ainda mais impressionante.

Daniel Kaluuya, Keke Palmer e Brandon Perea em Nope (Foto: Reprodução)

A história do longa acompanha OJ Haywood (Daniel Kaluuya), que logo no início do filme presencia, impotente, a morte de seu pai, após ser atingido por uma “chuva” de objetos (moedas, chaves, etc…). Ele se vê sozinho no rancho da família, onde criam e treinam cavalos para peças publicitárias e produções no cinema e televisão, e é nesse momento que entra Emerald Haywood (Keke Palmer), sua irmã, também é proprietária do rancho. À primeira vista, a relação dos irmãos parece estar estremecida, já que Em não convivia na vida dele e de seu pai. Além disso, OJ, sendo mais calado e contido, se incomoda com as atitudes da irmã, que é mais extrovertida e comunicativa. Durante uma noite, um dos cavalos apresenta um comportamento estranho e, ao ir verificar, OJ avista um OVNI e conta para sua irmã. Os dois decidem então fazer a filmagem perfeita, o “plano Oprah”, para, pela primeira vez, capturar uma imagem nítida alienígena, visando ganhar fama e muito dinheiro.

Steven Yeun em Nope (Foto: Reprodução)

Essa busca por dinheiro, fama, sucesso e a atitude de colocar o espetáculo acima de qualquer outra questão é muito presente na narrativa, e é onde o núcleo de Ricky “Jupe” Park (Steven Yeun), o proprietário do parque temático do Velho Oeste Jupiter’s Claim, se encaixa. Jupe é uma ex-estrela infantil cuja carreira acabou após um evento traumático, que vai se revelando ao longo do filme por meio de flashbacks. “Gordy”, a história contada pelos flashbacks, mostra-se muito importante para o contexto geral do longa, pois se conecta com a história principal, e, ao mesmo tempo, explica as ações do Jupe, regidas pelo lema o espetáculo tem que continuar acima de qualquer coisa.

Park, apesar de ter sobrevivido a um evento horrível, faz uso dessa tragédia e a transforma em um produto, visando novamente o lucro e seu status de fama. Em trechos do filme, ele acaba caindo novamente na ideia de que é uma pessoa especial o bastante para não sofrer consequências, chegando a dizer, em certo momento, que é “o escolhido”. Tudo que Jupe faz é para recuperar o prestígio que tinha enquanto ator mirim, antes da tragédia acontecer. No entanto, essa tragédia só aconteceu em razão dessa busca que a sociedade e, nesse caso, Hollywood, tem pelo espetáculo e pelo lucro.

Brandon Perea (acima) e Michael Wincott (abaixo) (Foto: Reprodução)

Entre os outros personagens do filme está Angel Torres (Brandon Perea), que junto com Emerald, proporciona o tom certo de humor que o filme permite. Para além disso, Angel — aliado de OJ e Em — se torna um personagem importante para o público, com a atuação cativante de Perea. Outra figura é a de Antlers Holst (Michael Wincott), diretor de fotografia consagrado que Emerald procura para ajudar na filmagem, e que só resolve se juntar à equipe quando percebe que está perdendo uma oportunidade única de presenciar um perigo real e, possivelmente, de outro mundo. Holst não aparece por muito tempo, mas tem uma ação que remete também a busca pelo espetáculo, fama e reconhecimento. Em seu caso, porém, não é preciso alcançá-lo, já que ele já tem tudo isso, sendo movido apenas pela ganância de querer mais, não importando o sacrifício que tenha que ser feito.

Tendo seus trabalhos rotulados no gênero terror e nas temáticas que, direta ou indiretamente, remetem a pauta racial e a história dos afro-americanos, Peele resolve inovar em Nope. Ele traz, além do seu terror habitual, elementos da ficção científica e até aposta no horror em algumas cenas do longa. Portanto, para quem for ao cinema esperando a mesma linha temática dos dois primeiros filmes, a surpresa vai ser de que Nope segue uma narrativa diferente. Sendo esse filme o menos óbvio dos três já dirigidos por ele — com uma premissa difícil de resumir em poucas palavras — , o espectador provavelmente vai amar ou odiar. Jordan Peele não quer ser colocado em uma caixinha e abordar uma única temática e em Nope isso transparece.

Nope é um espetáculo, justamente o que o diretor quis fazer com o filme. Além disso, o longa é, definitivamente, um blockbuster. Jordan apresenta uma história com a qual o público se importa e reinventa o faroeste de uma maneira que remete muito a outra de suas obras, The Twilight Zone (2019). Assisti-lo em uma grande tela é uma experiência incrível.

O longa tem muitos simbolismos abertos para interpretações e teorias, sendo esse um dos pontos positivos da produção. É admirável o poder de Jordan Peele — não apenas como diretor, mas também como roteirista — para fazer com que seu filme transcenda para além do tempo da tela, fazendo com que o público pense e fale dele por muito tempo.

Não! Não Olhe! estreia nos cinemas brasileiros em 25 de agosto de 2022.

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Sophia Goulart
Caderno 2

Estudante de Jornalismo em Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).