‘O Dublê’ sabe cair e levantar

Filme estrelado por Emily Blunt e Ryan Gosling é despretensioso e recheado de acertos

breno bauer
Caderno 2
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4 min readMay 3, 2024

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Ryan Gosling dá vida a Colt Seavers, um dublê de ação de alto nível | Foto: Universal Pictures/Divulgação

Se você assistiu ao Oscar deste ano, já ouviu falar do filme O Dublê (The Fall Guy, 2024). Emily Blunt e Ryan Gosling, ambos indicados por atuação coadjuvante — ela por seu papel como Kit Oppenheimer, ele por seu papel como Ken — , subiram ao palco para prestar uma homenagem aos dublês e aproveitaram para divulgar seu mais novo filme. Ou o contrário, muito provavelmente.

De fato, o longa da Universal Pictures, adaptado da série dos anos 1980, Duro de Queda, pretende ser uma homenagem a esse ofício da indústria audiovisual. O próprio diretor, David Leitch, já foi dublê no início da carreira e, hoje em dia, é conhecido pela direção de Trem-Bala, Deadpool 2 e Atomic Blonde.

O Dublê começa com o chavão bem batido dos filmes de comédia romântica: o protagonista narra sua rotina e apresenta ao espectador seu affair que casualmente é a mulher dos seus sonhos e que por sorte está no mesmo ambiente profissional que ele. Até que chega um acontecimento que muda tudo para sempre. Sim, você já viu isso em algum lugar. Em alguns lugares.

O protagonista é Colt Seavers (Ryan Gosling), o constante — e melhor — dublê do medroso astro dos filmes de ação, Tom Rayder (Aaron Taylor Johnson, de Trem-Bala e Tenet). A mulher dos seus sonhos é a ambiciosa Jody Moreno (Emily Blunt), cinegrafista que sonha em dirigir seu próprio blockbuster. Certo dia, porém, Colt precisa regravar uma cena de queda e acaba se desprendendo das cordas e despencando de uma altitude considerável: eis o acontecimento que muda tudo para sempre. Incapaz de voltar ao ofício, Colt se afasta de tudo, inclusive de Jody. Até que uma ligação da produtora Gail Meyer (Hannah Waddingham, de Ted Lasso), 18 meses depois, o faz ir para a Austrália, onde está sendo gravado o tão sonhado filme de Jody — uma mistura de Duna com A Chegada.

É a partir de então que o filme mostra para o que veio: uma comédia romântica de ação e suspense. Uma mistura de todos os gêneros possíveis, que brinda o espectador com uma sorte de acontecimentos daqueles de se assistir e pensar “Nunca na minha vida eu veria tal ator fazendo tal coisa”. Tem Ryan Gosling chorando ouvindo All Too Well da Taylor Swift, e acho que isso já exemplifica meu ponto muito bem. Por falar em atuações e situações inesperadas, deixo registrado que a personagem caricata da Hannah Waddingham foi um dos pontos altos do filme do início ao fim, fiquei vidrado em cada segundo de tela seu.

Voltando ao enredo… Enquanto na série dos anos 1980 Colt vivia uma vida dupla, ora era dublê ora era caçador de recompensas, no filme roteirizado por Drew Pearce (Iron Man 3), o protagonista concilia as duas tarefas: é incumbido pela produtora Gail a reencontrar Tom Rayder, que desapareceu sem deixar rastros.

Com isso, o filme se torna o paraíso de Christopher Nolan e Tom Cruise. De um lado, Jody ama efeitos práticos — explosões, carros saltando grandes distâncias e quebrando recordes de giros no ar ao capotar, pessoas em chamas; tudo feito de verdade, tanto no universo do filme quanto na vida real. De outro, na busca por Tom, Colt Seavers se depara com todos os empecilhos que um filme que pretende explorar o ofício do dublê poderia apresentar, de perseguições de carros frenéticas a quedas e brigas bem coreografadas.

E aqui vai um ponto para o roteiro. Não, ele não tem grandes falas e conversas bem pensadas. Na verdade, recorre diversas vezes a cenas, conveniências e estruturas de diálogo já consagradas e eternamente recicladas nas produções mundo afora. Porém, consegue conciliar os dois enredos da trama de Colt muito bem, sem ficar cansativo ou confuso. E, por ter suas pitadas de suspense, também tem suas reviravoltas satisfatórias e uma reflexão bem atual sobre o uso de tecnologias. Tudo pensado com muito bom humor situacional.

Claro que, nas mãos de atores com tanto poder de expressão, e com uma direção contida, mas extremamente dedicada de David Leitch, a comédia presente no roteiro é quase completamente extraída. As atuações dosam perfeitamente a intensidade necessária para envolver o público. E isso se estende para todas as participações, das grandes às pequenas, como Stephanie Hsu (indicada ao Oscar por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo), Lee Majors (Colt original em Duro de Queda) e, pasmem, Jason Momoa (Aquaman). Mais uma vez, Ryan Gosling mostra que está na zona de conforto — no melhor dos sentidos, prometo — interpretando homens abobalhados cuja força motriz é a aprovação feminina.

Em suma, O Dublê tem todos os ingredientes para ser aquele filme prazeroso, divertido e confortável para assistir sem pensar, apenas aproveitando a jornada. Uma daquelas produções que tenta trazer algo novo, uma pitada de sal a mais, no gênero popularmente conhecido como Filme de Sessão da Tarde, como No Hard Feelings (que eu detesto) e Mamma Mia! (que eu amo). Confesso que, caso não gostasse do filme, eu teria diversas frases de efeito para resumir e concluir essa crítica: “O filme deveria aprender com Colt Seavers e assumir mais riscos” ou “Como diria Jody, ‘Que presepada’”, ou ainda “Para O Dublê, a queda foi gigantesca”. Porém, como gostei bastante (3.5/5), vou seguir as práticas de dublês que o próprio filme ensina, e dizer que O Dublê termina sua missão com um grande thumbs up (joinha para os íntimos).

Meu conselho é: vá sem saber de (mais) nada além de tudo isso. O longa chega aos cinemas dia 2 de maio. Ah, e assista aos créditos.

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