Música

Senjutsu: Análise faixa a faixa

Cadenciado e progressivo, novo álbum está entre os melhores lançamentos da banda no século XXI

Alberto Dabul Sant'Anna
Published in
7 min readOct 7, 2021

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Ofuscado pelo álbum da Juliette, na última sexta-feira, dia 3 de setembro, o tão aguardado 17º trabalho de estúdio do Iron Maiden finalmente foi lançado. Após seis anos, os ingleses agraciaram os fãs com músicas inéditas.

Após escutar o álbum exaustivamente nos últimos dias, trago minhas impressões como jornalista e fã da donzela.

Senjutsu

A faixa de abertura, que dá nome ao álbum, e significa algo como “tática e estratégia”, é de autoria do guitarrista Adrian Smith e do baixista e líder da banda, Steve Harris. Com 8 minutos e 20 segundos de duração, fala sobre guerreiros que se preparam para defender a “Grande Muralha” de invasores do norte. Apesar de Steve não ter afirmado ainda, é uma provável referência às tentativas de invasão mongol à China. Vale a pesquisa.

Começa e termina com efeitos de teclado, tocado por Steve Harris. Quem guia a música é Nicko McBrain com seu bumbo único. A bateria passa uma atmosfera oriental e marcial que combina com o tema. Em contrapartida, o baixo de Steve está quase inaudível.

Notamos já o primeiro dos clichês do Iron Maiden, que geralmente funciona, mas nesse álbum se repete à exaustão: uma das guitarras seguindo a melodia do vocal no refrão. A voz do Bruce está natural, quase nada de efeitos. Em alguns momentos dá para notar certa dificuldade em alcançar algumas notas mais altas, mas não compromete a qualidade da música.

Talvez, pela história, merecesse um clipe tanto quanto The Writing On The Wall e, definitivamente, merecia ser um single muito mais que a próxima faixa.

Stratego

“Olha só, o Shogi é um jogo de variações incontáveis, que permitem que você trabalhe utilizando as características individuais de cada peça. É o jogo perfeito para alguém como você (Shikamaru), que está sempre pensando em superar o oponente.” — Asuma Sarutobi, em Naruto Shippuden.

Stratego, que é um título militar da Grécia Antiga, equivalente a general, foi lançada como single no dia 19 de agosto deste ano. Composta pelo guitarrista Janick Gers e, de novo, Steve Harris, que dessa vez se destaca mais.

Temos o típico baixo galopante durante praticamente toda a música, e, no pré-refrão, acompanhado por duas guitarras. A terceira guitarra acompanha os vocais durante a música inteira, o que soa cansativo, principalmente na segunda estrofe do refrão, quando a voz do Bruce é duplicada.

Nessa quarta-feira, 8 de agosto, a música ganhou um clipe em parceria com Adult Swim. A animação dá vida à uma partida de Shogi (uma espécie de Xadrez), jogada pelo Eddie Samurai

Teriam opções melhores de single dentro do álbum. Pelo menos a música é curta, 4 minutos e 59 segundos.

The Writing On The Wall

Com uma introdução em violão numa pegada contry-rock bem ousada, a terceira faixa do álbum, lançada como single junto de um videoclipe no dia 15 de julho deste ano, assinada por Adrian Smith e Bruce Dickinson, é uma das melhores do álbum. O baixo está bem presente. A guitarra, graças a Deus, não acompanha o vocal do Bruce, que está bem limpinho. O segundo solo da música, tocado pelo Adrian Smith, é magnífico, o melhor do disco, e casa maravilhosamente bem com o Eddie Samurai e os 4 Eddie’s Cavaleiros do Apocalipse matando o diabo em um mundo pós-apocalíptico numa mistura de Mad Max com o Void de Loki (principalmente na quantidade easter-eggs). Um dos melhores clipes que eu já vi na vida. Assista!

Lost In A Lost World

A introdução dessa quarta faixa pode dividir opiniões. Ela é lenta, com violão, a voz do Bruce cheia de efeitos e um teclado bem marcante, que pode incomodar alguns fãs. Particularmente, não me incomoda, afinal, como fã de power metal, já estou mais do que acostumado com a presença, às vezes até exagerada, de teclado no metal, mas acho que ficaria melhor se deixassem só a voz natural do Bruce com um violão e o coral. Ainda assim, admiro a tentativa da banda de testar novos sons.

Dessa vez, as guitarras acompanham a melodia da voz somente no pré-refrão. E quando o refrão chega, entra um riff que me lembrou o de Revelations, só que mais acelerado.

O teclado volta no final. A guitarra acompanha a voz do Bruce e a linha de baixo do Steve, autor da música, aparece contrastando. Impossível escutar e não lembrar imediatamente da conclusão de Dance Of Death.

Não vai agradar a todos os fãs. Uns podem odiar, enquanto outros, como eu, podem achar ok. Nada mais do que isso.

Days Of Future Past

A música mais curta e radiofônica do álbum, 4 minutos e 3 segundos. Mais uma da dupla Adrian e Bruce (é notável a mão dele). Apesar do teclado, segue um compasso mais hard rock, menos heavy metal. Deixando um pouco de lado as notas altas e apostando na velocidade.

Conseguiu ser boa sem “autoplagiar” o próprio Iron Maiden. Junto com The Writing On The Wall, a melhor do álbum. Provavelmente vai aparecer no meu Spotify Wrapped 2021.

The Time Machine

Mais uma do Janick com o Steve. História sobre um homem que, ou é imortal, ou tem uma máquina do tempo. Não fica muito claro na letra, poderia ser mais aprofundada.

Música chata. Introdução com baixo e duas guitarras. Mais para o final, a música muda de cara e até surge uma frase de guitarra interessante que se repete várias vezes, mas não salva os 7 minutos e 9 segundos de chatice.

A conclusão é a melhor parte. Começa com uma guitarra, o teclado e o baixo conversando, que depois viram violão, baixo acústico e voz na mesma conversa. Lembra muito a conclusão de The Clansman. Pior música do álbum.

Darkest Hour

Com o som de mar no início, achei que o Bruce fosse dizer: “I throw myself into the sea”. Sim, lembra muito os trabalhos solo dele. Adrian, co-autor, cria um arranjo muito bonito para as guitarras. Um som cheio. Todos os instrumentos dialogando em perfeita harmonia. É uma balada. A letra não é melosa. Você fica esperando o ritmo aumentar e isso acontece no refrão (bem grudento, por sinal). Tem um solo bonito e melódico que segue junto com o refrão até o canto dos pássaros encerrar os 7 minutos e 20 segundos de música.

Death Of The Celts

As três últimas músicas são assinadas somente por Steve. Começando por essa que explora os pensamentos de um guerreiro celta naqueles que podem ser seus últimos momentos. E, realmente, há uma forte influência da sonoridade celta. Começa com uma introdução lenta com violão e baixo num arranjo bem variado. A bateria só marcando o tempo. A guitarra acompanha o refrão. Dessa vez o teclado é perceptível durante a música inteira, não somente na introdução e conclusão, que é uma mistura de The Clansman e For The Greater Good Of God. Só peca na duração. Dos 10 minutos e 20 segundos de música, tranquilamente uns dois ou três poderiam ser cortados, principalmente no intervalo entre o fim do primeiro refrão e o início do primeiro solo (muito bom), quando a música entra em um limbo desnecessário.

The Parchment

A mais longa do álbum: 12 minutos e 39 segundos. Mais uma vez, só peca pela duração, poderia ter menos que uma dezena de minutos. Tem uma introdução tensa com violão enquanto o teclado faz um som meio egípcio (que, por mais estranho que pareça, me lembrou algo de Mother Russia), a combinação ficou sensacional. Sempre há uma guitarra seguindo Bruce, mas dessa vez funciona melhor porque a música em si é melhor. Tem as melhores linhas de guitarra do álbum. Janick, Adrian e Dave pegando fogo, muito entrosamento.

Uma das minhas favoritas.

Hell On Earth

O Steve pode pedir música no Fantástico depois de emplacar três músicas longas no final do álbum. Com 11 minutos e 19 segundos, há gordura, poderia ser menor. O Bruce só entra aos 3 minutos e meio e é ele que nos entrega um dos refrãos mais pegajosos do álbum. O teclado é muito presente, mas não incomoda. O baixo e as guitarras base ditam o ritmo de galope. A terceira guitarra segue a voz novamente e entrega um solo incrível. Tem um trecho em específico que lembro muito Dance Of Death. A música termina com um fade que eu espero que não signifique o que passou pela minha cabeça na primeira audição.

Conclusão

Começando pela capa. Ela está maravilhosa. A combinação dos tons vermelhos com o preto sempre fica legal. O fundo sem cenário também funciona, dá destaque à ilustração de Marl Wilkinson, o Eddie mais legal de todos, que estampa a capa mais bonita da história do Iron Maiden, e protagoniza dois dos melhores clipes de metal da história. Esteticamente o trabalho está maravilhoso. Nesse quesito, a banda nunca produziu nada igual.

Por toda essa estética oriental, eu estava achando que o álbum fosse mergulhar nesse conceito. Eu estava errado. Isso acontece a fundo só na primeira faixa, depois transita entre temas marciais não necessariamente asiáticos.

Musicalmente, se assemelha muito aos álbuns da fase do Blaze na banda. Há muito pouca similaridade com a sonoridade dos anos 80, o que não é surpresa visto que estamos falando de uma banda cujo vocalista de 63 anos gravou seu primeiro álbum após se recuperar de um câncer na língua. Bruce estar vivo e capaz de cantar já é mais do que suficiente para abrir um sorriso no rosto de qualquer fã que se preze. O cara é um herói.

Alguns vícios de composição da banda continuam aí como eu comentei faixa a faixa. Por exemplo, a introdução e conclusão lenta das músicas - como inúmeras outras de outros álbuns -, as guitarras acompanhando os vocais e, principalmente, as composições enormes (geralmente de Steve Harris). Acho que faltou um pouco a mão do produtor Kevin ‘Caveman’ Shirley dando uma de Joss Whedon e cortando alguns trechos.

O balanço final é que o álbum é bem competente. Talvez renda algumas músicas para a próxima turnê. Quem gosta de alguma fase específica do Iron Maiden pode torcer o nariz. Agora, quem gosta do Iron Maiden vai gostar.

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