Música

The Death of Slim Shady não é um golpe de misericórdia

Conflito entre Eminem e Slim Shady no álbum é o diálogo que temos todos os dias com nossos próprios demônios

Luiz Eduardo Warken
Published in
4 min readJul 29, 2024

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12º álbum de estúdio do Eminem. Reprodução: Shady Records

2024 definitivamente está sendo um ano agitado para o rap internacional, especialmente o norte-americano. Desde uma possível nova música/álbum do rapper Frank Ocean depois de oito anos até um conflito entre Kendrick Lamar e Drake - tanto nas redes sociais como nos lançamentos dos artistas -, esse estilo musical tão popular vem sendo destaque. No meio desse contexto de lançamentos, tretas e acusações sérias, no que The Death of Slim Shady (Coup de Grâce) acrescenta e agrega para o público?

É certo que um álbum do Eminem vai gerar repercussão porque ele é, sem dúvidas alguma, um dos melhores rappers de todos os tempos. Não sou apenas eu quem digo isso, mas a pesquisa recente feita pela Pubity que apontou que 77% dos entrevistados acreditam que o rapper de Detroit é o maior de todos os tempos, vencendo com ampla margem nomes como Tupac e Kanye West. Ao mesmo tempo, existe uma crítica ao conteúdo de suas músicas. Marshall Mathers quando surgiu com o nome de Eminem e seu alter-ego de Slim Shady (algo como David Bowie e seu Ziggy Stardust) era extremamente provocador, sem medo de abordar temas complexos de maneira crua; seja para chocar por chocar ou para realmente gerar uma crítica.

Entretanto, existe uma grande diferença para quando um jovem em seus 20 anos compõe dessa forma para um homem que já viveu mais de meio século continuar assim. Eminem possui uma técnica de rima absurda, isso é inegável. Ele é muito bom em falar — e em falar rápido especialmente -, mas isso é o bastante?

Eminem é tão bom em falar que tem até recorde no Guinness Book por single com mais palavras ditas. Reprodução: Kathy Hutchins

Em The Death of Slim Shady, parece ter sido o suficiente. Atingindo a primeira colocação na Billboard 200, a produção do álbum conta com nomes como Dr. Dre e Luis Resto, parceiros recorrentes do Eminem. Também constam no projeto produtores vinculados ao rap, pop e trap, o que pode ser percebido nas referências de beats, nas passagens instrumentais e nos backing vocals. Outro ponto para se destacar quanto produção e escolhas musicais são as clássicas pausas do beat e instrumental, mantendo apenas a voz do artista e, assim, destacando aquela passagem da rima.

E muito além das referências artísticas trazidas pelos produtores, os comentários de Eminem sobre a cultura pop estão mais do que presentes. Entre os principais exemplos, a canção “Tobey” que faz alusão ao ator Tobey Maguire e sua atuação em Homem-Aranha. Tido por muitos como a melhor adaptação do cabeça de teia e lançado no mesmo período que o rapper fez mais sucesso, Eminem tece comentários sobre como ele é, também, o GOAT (expressão em inglês para se referir ao melhor de todos os tempos). Ademais, a canção é uma das várias (senão todas) canções do álbum que abordam a carreira do rapper reforçando sua importância no cenário musical e suas batalhas pessoais e profissionais.

Meme do Homem-Aranha utilizado na divulgação da faixa “Tobey”. Reprodução: Shady Records

Em “Houdini”, temos o retorno do famoso trecho de “Without Me” (Guess who’s back, back again). O título faz uma alusão clara ao fato de que, assim como um mágico, Eminem pode sumir e retornar como e quando desejar e não será a indústria, muito menos os críticos que vão lhe impedir. Num momento de discussões sobre quem é o melhor de todos os tempos — muito por conta da já citada briga entre Kendrick Lamar e Drake -, um álbum cheio de referências à própria trajetória do artista parece servir como discurso para endossar a magnitude de sua obra.

Eminem retorna ao passado em “Houdini”. Reprodução: Shady Records

Entretanto, The Death of Slim Shady possui camadas bem mais profundas do que uma simples propaganda. Eminem não provoca, nem choca mais o público da mesma forma do que quando ele iniciou sua carreira. Então por que o rapper, após alguns anos longe desse tipo de abordagem como carro chefe, decidiu retornar?

O álbum é uma grande análise sobre quem é ou quem foi Eminem durante sua trajetória. Não creio que canções como “Habits”, em que Marshall discute com seu alter ego Slim Shady, sejam apenas mera brincadeira ou forma para que o artista ironize polêmicas da carreira. É uma jornada através do seu passado e, sendo feita de maneira proposital ou não, abre discussões para nós também fazermos esse exercício.

Nossas falhas e traumas nos compõem. O álbum encerra com “Somebody Save Me”, canção em que Marshall diz se arrepender de não ter sido o melhor pai que poderia ter sido — a melhor pessoa que poderia ter sido. Eminem não dará o coup de grâce em Slim Shady. Não matamos nossos demônios, mas aprendemos a conviver com eles, com os erros do passado. É uma obra trágica, no sentido grego mesmo, e essa é sua força. Proposital ou não, Marshall Bruce Mathers III, Eminem e Slim Shady — quase como uma Santíssima Trindade do rap — compuseram um dos melhores álbuns de 2024.

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