Crítica

Tom Cruise não está só salvando o Mundo, mas, também, o Cinema

gabriel ortega
Caderno 2

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Infelizmente, não é o cinema artístico que está mantendo a arte viva, mas sim os blockbusters de ação. Tom Cruise é o maior astro do cinema mundial vivo e é, na maior parte, por causa dele que a Marvel e a Disney ainda não dominaram tudo.

A franquia dos filmes “Missão Impossível” começa muito antes do primeiro longa ser lançado. Antes de ir para o cinema, o nome “Missão Impossível” era de uma série de televisão estadunidense dos anos 60. Foi só no final dos anos 90 que um ator que estava crescendo na indústria decidiu encabeçar uma adaptação de “Missão Impossível” para a telona. Assim, Tom Cruise se tornaria o ator, produtor e personagem principal dos filmes, deixando a cadeira de diretor vazia para aqueles que gostariam de realizar os desejos de Cruise.

Ele conseguiu fazer com que sua visão ficasse intacta em todos os filmes da franquia, desde a fase inicial até hoje em dia com o Christopher McQuarrie que está sentado na cadeira de diretor desde o quarto filme. E não tem sido só nos filmes do “Missão Impossível” que o Tom Cruise tem cuidado de quase todas as divisões possíveis e inimagináveis: já em “Top Gun: Maverick”, Cruise foi a cabeça que projetou o blockbuster megalomaníaco que arrecadou mais de 1 bilhão de dólares.

Pensando na franquia “Missão Impossível”, a primeira conclusão que eu faço é de que o Tom Cruise é um grande amante da arte de fazer e consumir cinema. É impressionante notar que ele é uma retomada do herói hollywoodiano clássico e, ao mesmo tempo, um personagem que está em constante evolução e mudança. O Ethan Hunt, personagem de Cruise, do sétimo filme não é o mesmo que existia no primeiro — algo que não é muito verificável nas outras franquias atuais, onde os personagens parecem esquecer todo o progresso do filme quando ele acaba.

Missão: Impossível: Acerto de Contas, parte 1” continua com a história de Ethan Hunt e a equipe do FMI (não é o Fundo Monetário Internacional, mas sim Força Missão Impossível), que recebem outra importante missão: rastrear uma nova e aterrorizante arma que, se cair nas mãos erradas, pode representar uma ameaça para toda a humanidade, a Entidade, uma Inteligência Artificial. Com o controle do futuro e o destino de todo o mundo em jogo, a equipe precisa partir em uma corrida frenética e mortal ao redor do planeta.

Destaca-se como a franquia de filmes sabe trabalhar bem com premissas extremamente simples e com MacGuffins (um objeto que motiva os personagens e avança a história) que não deixam o público entediado com a circunstância de uma nova ameaça global maior que a anterior.

Tem algo que todos os filmes de “Missão Impossível” sempre conseguiram: me cativar nas cenas de ação. Até mesmo no segundo filme, o pior da série, na minha opinião, as cenas de ação conseguiram tirar meu fôlego. Da mesma forma que as ameaças globais vão aumentando, as cenas de ação seguem essa tendência e, nesse sétimo filme, eu senti a maior tensão toda a série. Mesmo que nada supere, para mim, o Tom Cruise preso num avião decolando, algo mudou e fez com que eu estivesse mais engajado nesse novo capítulo.

O que fez com que eu me importasse mais com a ação nesse filme? Muito simples, eu tive a oportunidade de assisti-lo na tela de IMAX. Mesmo que eu seja um defensor da ideia de que não se precisa ver um filme no cinema para ter uma boa experiência, é inegável que sentar numa sala escura com uma tela gigantesca adicionou muito para meu entendimento da obra.

Infelizmente, por vezes, o filme não consegue se sustentar. A simplicidade narrativa, mesmo que seja um charme da série, pode ser cansativo e irritante. Em mais de duas vezes, personagens estão discutindo o que está acontecendo e, ao final, eles fazem uma recapitulação de tudo aquilo que falaram. Esses momentos acontecem da mesma forma e eu acho muito engraçado: “Você está querendo me dizer que…”. Assim, mesmo que, em edições anteriores, a colagem de cenas de ação com a parte narrativa seja boa, nesse eles perdem um pouco da mão. É um filme de duas horas e quarenta e três minutos e essas explicações extremamente repetitivas faz com que o tempo seja muito sentido.

Além disso, o filme acha saídas muito interessantes, mas bem batidas, de superar buracos de roteiro. Eles não são um problemas, por si só, mas, quando os realizadores veem a necessidade de reconhecê-los, me deixa com um pouco de receoso. Muitas vezes, eles encontram saídas questionáveis para avançar o roteiro. É interessante pensar que, em contraponto a esse filme, existem outros, na franquia, que conseguem balancear e criar saídas mais interessantes do que as que têm nesse filme.

Também, me incomoda muito a política internacional dos filmes da série. Por muitas vezes, a representação de outras nações é feita de maneira desrespeitosa, manipuladora e paradoxal: os inimigos são, ao mesmo tempo, autoritários, sabem de tudo, mas, também, extremamente burros e fáceis de contornar. Esse filme ainda tem muito do excepcionalismo estadunidense dos outros filmes presente, mas nem tanto quanto os últimos. Talvez, pelo inimigo não ser uma outra nação, faz com que o discurso de que os Estados Unidos vão salvar o Mundo não precise ficar tão aparente.

A experiência de ter assistido “Missão: Impossível: Acerto de Contas, parte 1” no cinema foi interessante. Antes de entrar na sala, eu escutei um homem falando: “Não me importo tanto com a história dos ‘Missões Impossíveis’, eu quero desligar meu cérebro e curtir a ação”. De certa forma, eu discordo e concordo com essa pessoa. Sendo o primeiro filme da série que eu vejo no cinema com mais pessoas do meu lado, foi muito interessante ver o efeito que as cenas de ação têm no público. No fim, acho que tem diversas formas de assistir esses filmes: se importando com a história e a produção dele e prestando atenção só nas cenas de ação.

Não posso deixar de dizer que uma das coisas que o filme fez e que me deixou muito feliz foi citar visualmente o primeiro da série: ele retoma a arte dos dutch angles/inclinação holandesa. Outras referências cinematográficas que eu quero muito que tenham sido citadas propositalmente, nesse filme, são “O Encouraçado Potemkin (1925) e “O Batedor de Carteiras (1959), dois clássicos que aparecem muito sucintamente, mesmo que seja só uma sugestão.

Além disso, outro tema que eu acredito que esse filme aborda de forma bem interessante é de como a Inteligência Artificial e o medo em volta dela pode ser comparado com o medo que se tinha, nos anos 60 até os 80, do perigo nuclear. Mas, mesmo assim, acredito que eles colocam em volta da IA muitos personagens que não são tão interessantes assim.

Aliás, acho que é muito interessante pensar que esse é a parte 1 de um filme. Nesse ano, existiu outro que também trabalha como a primeira parte de algo maior, o “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso”, e, diferentemente do outro, ele consegue acabar bem em si. No ano passado, também, teve o “Duna”, que também entra nessa categoria de primeira parte, e, entre todos esses filmes, o Missão Impossível é o que melhor acaba. A narrativa acaba com sua história, mas é como se existisse mais um andar de assuntos e histórias para se explorar.

No fim, acho que “Missão: Impossível: Acerto de Contas, parte 1” é uma boa adição para a série de filmes. Mesmo com as inconsistências de roteiro e com uma duração que não se justifica, acredito que vale a pena assistir. Não é nem de longe o melhor da franquia, mas continua sendo um acerto e um passo no caminho certo.

Espero que a indústria vendo o sucesso de “Top Gun: Maverick e “Missão: Impossível: Acerto de Contas, parte 1”, note que vale a pena investir em Cinema que vai além de piadas meia boca que interrompem as cenas e mau uso de telas verde.

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gabriel ortega
Caderno 2

entusiasta de letra pequena // jornalismo - ufrgs