Literatura

“Um teto todo seu” de Virgínia Woolf

Mulheres e ficção: uma discussão sobre liberdade intelectual

Victória Armando
Published in
4 min readJul 29, 2021

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Reprodução: Google

“Um teto todo seu” é uma palestra de Virginia Woolf em uma universidade para mulheres na Inglaterra do século XX que foi transcrita e transformada em livro. A autora foi uma renomada escritora britânica do século XX, cujas principais obras são Mrs.Dalloway, Ao Farol e Orlando. A obra “Um teto todo seu” traz a reflexão sobre mulheres e ficção, pensando na desigualdade a que estavam submetidas para exercer o trabalho intelectual; assim, a autora argumenta que para mulheres escreverem precisam de: 1. dinheiro e 2. um teto todo seu.

O termo “um teto todo seu” é uma analogia a um local de liberdade para pensar e ser quem se é; a própria Jane Austen, autora de clássicos da literatura inglesa, e uma das primeiras mulheres a assinar sua obra sem uso de pseudônimo na Inglaterra, escreveu todas as suas obras na sua sala de estar, submetida a interrupções e preconceitos alheios, pois a escrita por mulheres era vista como profana.

Buscando ser mais clara em sua argumentação, e para ser levada a sério, Woolf decide usar da ficção para ilustrar seu pensamento, utilizando uma narradora ficcional, a Mary Beton. Consequentemente, as situações ilustram a discrepante situação de homens e mulheres que tinham acesso ao estudo, pois surgem indagações após ser expulsa do jardim do campus masculino e impedida de usar a biblioteca, porque não estava acompanhada… E, ao jantar em universidades masculinas e femininas, a personagem se questiona sobre o status quo. “por que nos jantares (na universidade) homens tomavam vinho e mulheres, água?”; os recursos materiais explicitam a qualidade de vida que levam as pessoas, nesse caso sendo prejudicadas pelo gênero. Percebe-se a ideia de que o dinheiro é primordial para emancipação feminina como um todo, sendo um pensamento feminista inédito para a época. Apesar de não solucionar o machismo e a misoginia, Virginia Woolf reconhece que a simples ideia de batalhar pelo direito de ter seu espaço, com o seu dinheiro, com o intuito de exercer a sua escrita, já é uma revolução e assim, incentivava as jovens que a escutavam a buscar seu lugar no mundo.

Além disso, a ficção como espelho da sociedade é trabalhada, pensando a forma como as mulheres eram escritas por homens e a forma como de fato eram de verdade. Enquanto na literatura eram mulheres fortes, inspiradoras e peculiares, na realidade as mulheres eram restritas à vida doméstica e à submissão, sem voz alguma. A autora pesquisou o que os homens escreveram sobre mulheres (e escreveram muito!), percebendo que discorrem com muita paixão sobre se mulheres são tão capazes como os homens, se têm almas, se são inferiores; alguns elogiam, outros as desprezam, tudo com muita intensidade; notou que essa intensidade reflete sua própria condição humana: complexo de superioridade, as desprezam como um subterfúgio para se destacar -hoje, chama-se de masculinidade tóxica.

Citando o livro, “tentei me lembrar de algum caso, no decorrer das minhas leituras, em que duas mulheres tivessem sido representadas como amigas.(…), mas quase sempre são mostradas dentro de sua relação com os homens.”, pensando também os relacionamentos na ficção. Assim, é muito interessante o quanto isso é verdade, e pensar sobre como isso reverbera na vida da menina que cresce assistindo séries e lendo livros em que a rivalidade feminina é enaltecida; feliz que hoje em dia esse assunto é pauta constante, e não mais tão naturalizado. Virginia Woolf foi e continua sendo importantíssima na discussão feminista sobre o local da mulher na sociedade — onde ela quiser.

Ler “Um teto todo seu” é um lembrete do quão recente é o direito de frequentar uma universidade, de ter a liberdade de entrar em uma biblioteca sozinha. É lembrar que há um século, eu não poderia estar estudando em uma universidade como a UFRGS, que como mulher não teria a oportunidade de fala que estou tendo nesse exato momento. Apesar de algumas falas e discussões propostas por Woolf já foram há muito superadas, a discussão sobre a emancipação feminina, sobre liberdade, sobre representação através da literatura — e os outros meios de arte incluso — segue válida na atualidade. Recomendo muito a leitura. E por fim, digo: se quiser escrever, escreva. O mundo precisa escutar o que tens a dizer. E lembre-se de batalhar para ter um teto todo seu, vai facilitar sua vida.

Texto produzido para a Oficina de Inverno do Caderno 2

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