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Viúva Negra: O primeiro tie-in da Marvel Studios

Impressões com spoilers sobre o primeiro filme solo da personagem

Alberto Dabul Sant'Anna
Published in
9 min readJul 15, 2021

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Viúva Negra. Reprodução: YouTube

Pegar alguma besteira para comer, sentar na frente do computador às quatro da manhã e assistir ao mais novo episódio da mais nova série da Marvel Studios no Disney+. Essa tem sido a minha relação com a Marvel nos últimos meses. Assim como qualquer fã, sinto falta das sessões de lançamento da meia noite, do cheiro do cinema, de devorar todo o lanche nos primeiros minutos de filme. Acontece que tivemos um alento nesta sexta-feira (9). Depois de muita espera, Viúva Negra ganhou seu tão merecido filme solo.

Uns foram ao cinema testemunhar esse retorno, no intuito de ver o filme, ou até na esperança de ser real o rumor de um suposto trailer exclusivo para os cinemas de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa. Não foi o meu caso. Fiz o pix pro tio Kevinho Feige e aguardei chegar quatro da manhã.

Para contrastar com as séries, decidi assistir na TV da sala. Os 30 metros do IMAX, viraram 55 polegadas. Peguei meu lanche, me acomodei com todas as luzes apagadas e dei play. No momento em que começou a passar a típica abertura da Marvel, quando eu já tinha terminado os 3 hambúrgueres e as batatas fritas, o arrepio veio junto daquela trilha.

Assistir em casa tem seus pontos positivos. O fator replay é interessante, já vi o filme quatro vezes. Poder pausar, para prestar atenção em cada detalhe, ou ir ao banheiro, é cômodo. Nada estraga a sensação de estar assistindo a um filme da Marvel depois de mais de dois anos. Não é como esperávamos, claro. O único lugar capaz de entregar a experiência cinematográfica completa, é a sala de cinema. É estranho assistir um lançamento desse porte da TV de casa, mas vamos ter que nos contentar por mais um tempo.

Depois da abertura, essa estranheza irrompeu a barreira da realidade e entrou para dentro da tela. Eu estava vendo algo completamente diferente do que estou acostumado no UCM.

Ousadia e Alegria

Wandavision é a série mais importante para essa nova fase da Marvel. Não me refiro a questões narrativas. Digo em questão de novas maneiras de contar histórias, experimentação e coragem para transitar entre gêneros. Os três primeiros episódios da série são 100% sitcom. A aceitação positiva do público com a série, tornando ela a mais assistida do mundo à época, tem influência no filme da Viúva.

As produções ocorreram simultaneamente, pequenas alterações, seja na edição, na montagem, ou qualquer outro fator que possa mudar a cara de pelo menos um trecho do filme, podem ser feitos de “última hora”. É o que fica visível no começo do filme. Os primeiros 15 minutos poderiam facilmente ser de um longa de espionagem russa.

Viúva Negra. Reprodução: Google

Começamos em 1995, Ohio, nos é apresentada uma família aparentemente normal. Por se tratar da Natasha, nós já sabemos que não é o caso. O filme não tenta nos “pseudo-enganar”, como fizeram deploravelmente com o Mysterio em Homem-Aranha: Longe de Casa. Rapidamente, começa uma sequência de fuga dos Estados Unidos, com direito a David Harbour, que de óculos parece mais o Bill Hader, pendurado na asa do teco-teco no melhor estilo Trevor em GTA V.

O rumo? Cuba. A cena é rápida e serve só para mostrar a ferocidade da Natasha e apresentar o grande vilão do filme, Dreykov. Começam os créditos iniciais, que são muito bons, muito bons mesmo, talvez a melhor parte do filme. Seriam melhores ainda se não fosse aquela versão de Smells Like Teen Spirit que mais parece ser cantada pela dupla Anavitória.

Há um salto temporal para 2016, logo após os eventos de Guerra Civil. A partir daí, o filme muda completamente de cara.

Pancadaria

Com assassinato no meio da rua, a luz do dia e na frente de civis, a partir da cena de Marrocos, a espionagem fica de lado e o longa se torna uma espécie de Missão Impossível. Nos é explicado que, a partir da geração da Yelena, a manipulação das Viúvas passou a ser fruto de uma alteração química das funções cerebrais, tal qual ocorre com o Soldado Invernal, não apenas um condicionamento psicológico. Então, é introduzido o gás que serve como antídoto para essa alteração. O intuito do roteiro é, claramente, isentar as Viúvas da culpa de quaisquer crimes.

Viúva Negra. Reprodução: Google

O reencontro das irmãs em “Budapexte” entrega uma cena de combate corpo a corpo entre elas que não faz o menor sentido mas é muito bem dirigida e coreografada. Utiliza muito bem o cenário, como todas as que a seguem. Mesmo nível das produções com o nome do Soldado Invernal no título. No fim das contas, elas são obrigadas a se entender para fugir de uma ameaça em comum, aquele clichê.

Falta lógica também no combate entre a Nat e as Viúvas na parte final do filme. É completamente irreal uma Viúva, cuja única vantagem em relação as outras vinte e tantas é um treinamento da S.H.I.E.L.D., levar a melhor em um combate, mesmo que por um breve momento. Ela é uma humana com habilidades extraordinárias, como as outras, não há nenhum fator diferencial. É uma Vingadora, mas não tem auxílio de, por exemplo, soro do super soldado. Apesar disso, como comentei, a coreografia se destaca. É tudo muito sincronizado. Você sente o peso da porrada.

Há um personagem que eu quase não tenho críticas: O Treinador. Principalmente na luta contra o Guardião Vermelho na Sala Vermelha. O único asterisco que eu incluiria é o fato de ele ter sido nerfado no combate final contra a Viúva quando eles aterrissam daquela luta/troca de tiros em queda livre, que é uma mistura da fase do avião de Uncharted 3 e cena final de Capitão América: O Soldado Invernal.

No momento que a minha bunda já começava a tomar a forma do assento do sofá, a diretora Cate Terracurta ou Cate Shortland, mostra que fez escola com o pior estilo Joss Whedon de fazer cinema. Tem um close completamente desnecessário de alguns longos segundos na bunda da Natasha. Essa cena antecede a batalha da ponte, primeiro vislumbre que temos do Treinador, que já chega explodindo o carro da Nat.

Explosão

Viúva Negra. Reprodução: Google

No melhor estilo Undertaker, Mister X ou vilão de filme de terror slasher, o Treinador, que tem um visual de tirar o chapéu, estilo Tokusatsu ou Snake Eyes, caminha vagorosamente em direção ao carro, enquanto a Nat, tensamente, tenta se soltar da ferragem, que deveria ter virado uma lata de sardinha. Prontamente, ocorre a primeira cena de luta do filme, em que ela leva a pior, mas consegue fugir.

Isso vai desenrolar em ela indo encontrar Yelena em Budapeste. Nesse momento eu me perguntei: Como uma Vingadora, considerada uma das mulheres mais perigosas do mundo, foragida internacional, consegue passar despercebida em um metrô lotado? Então começa mais uma perseguição. Dessa vez, o Treinador ativa o modo Arkham Knight, pilotando um tanque e destruindo todos os carros que vê pela frente. Tipo vilão de Power Rangers explodindo toda a cidade.

Quando elas escapam e se escondem, Nat comenta pela primeira vez claramente sobre o ocorrido na famosa missão de Budapeste. O filme acerta em condensar isso em poucas linhas de diálogo e um curto flashback, pois é o bastante. Seria desperdício de tempo ficar mostrando maiores detalhes. Cada fã que crie os cenários na sua mente.

Então começa a preparação para o 3º ato do filme. Numa loja de conveniência, sob efeito de álcool, elas têm uma ideia genial: Descobrir a localização da Sala Vermelha e destruí-la. Para isso, roubam um carro e pegam a estrada. A sorte delas foi não passar por uma blitz. Quando encontram o fornecedor da Nat, que não tem nome, mas mais parece o Merchant de Resident Evil 4, que aparece com qualquer mercadoria em qualquer lugar do mundo. Incluindo um helicóptero para elas salvarem o “papai”.

O resgate é divertidíssimo. Vemos pela primeira vez o Alexei no presente. Com direito a Karl Marx escrito nos dedos, ele é o esteriótipo soviético master do filme. É o alívio cômico. Mais um personagem com soro do super soldado (virou passeio). Conta suas histórias dos tempos de Guardião Vermelho, numa mistura mal feita de Isaiah Bradley e Thor gordo.

Após o resgate, eles vão encontrar a “mamãe” da família, Melina. Agora uma criadora de porcos, que trata muito bem (quase mata asfixiado) seus porquinhos. Na casa dela há uma cena um tanto quanto constrangedora, com direito a um choro ridículo com sotaque russo por parte da Florence Pugh, interprete da Yelena. A reuniãozinha de “família” regada a vodka termina em discussão e cada um vai para um quarto. No momento que o Alexei começa a cantar, já dá pra saber que os capangas de Dreykov vão invadir a casa e causar…

Mais Explosão

Viúva Negra. Reprodução: Google

Notou que eu mal comentei sobre o Dreykov? Então, ele é completamente irrelevante durante o filme. Só aparece na cena de Cuba e nesse finalzinho. É uma tentativa frustrada de construir um vilão, uma espécie de mafioso russo com poder quase ilimitado. Tudo bem, é um filme que se passa no passado e o vilão precisava morrer no final, então seria desnecessário gastar um figurão no lugar dele. Mas ainda assim, ele não representa ameaça. A atuação do Ray Winstone também não me apetece muito. Ele e a Marvel Studios deveriam aprender com o Vicent D’Onofrio e a Netflix como se faz um vilãozão de verdade.

O início do fim revela três plot twists: A Sala Vermelha é um satélite, Natasha e Melina trocaram de posição, e, tal qual Arkham Knight e Ranger branco de SPD, o rosto do treinador é revelado no final. É a filha de Dreykov, que supostamente tinha morrido junto com o pai na explosão causada pela Natasha e pelo Clint, o Gavião Arqueiro, na tal missão de Budapeste. Algumas pessoas taxaram essa reviravolta de previsível, talvez eu seja tanso demais, mas não estava esperando, fiquei bem surpreso.

A resolução tem um início meio stealth. Envolve hacking. Tem explosão. Tem destruição dos motores. Tem parkour irreal da Viúva Negra estilo Lara Croft. Em geral, tudo muito bem dirigido, ação muito boa. Resta saber se dessa vez a explosão matou Dreykov. Caso não, espero que a queda sim. Ninguém merece ter que vê-lo de novo no futuro.

Quem estava esperando uma despedida, veio com a ideia errada em mente. Ela foi feita primorosamente em Ultimato. O objetivo desse filme é contar uma história, e ele faz isso. Em nenhum momento tenta consertar o erro de não terem feito um filme solo da personagem quando ainda era tempo.

O filme acaba quando Guerra Infinita está prestes a começar. Há um salto temporal de 2 semanas, que ela já aparece com o cabelo de Guerra Infinita. Se eu comecei arrepiado com a abertura da Marvel, terminei da mesma forma com a trilha dos Vingadores. A pergunta que fica é: E se esse filme tivesse sido lançado em 2017?

Futuro

Viúva Negra. Reprodução: Google

A principal peça deixada para o futuro é Yelena. A mulher é treinada pra não ter medo mesmo, se alguém começa a assoar o nariz do meu lado em um cemitério aparentemente vazio, eu tenho um treco na hora. Ela e a Valentina já se conhecem, ponta solta para a série do Gavião que estreia ainda esse ano no Disney+. É a primeira vez que um filme faz referência a uma série e não o contrário.

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