O empata-rolê (1)

Fernando Alves Medeiros
Cafés e Blablablás
2 min readMay 14, 2023

Quando li nas redes sociais, tive uma indizível felicidade: o clássico Metrópolis (Fritz Lang, 1927) seria exibido na tela grande e em cópia restauradíssima, com direito a trilha sonora executada ao vivo. Tudo de graça. Contei os dias com ansiedade. O básico da cinefilia, e eu nem tinha assistido ainda. Era grande a chance, talvez a única, de ver essa pérola com muito estilo, pompa e circunstância. Se perdesse, eu jamais me perdoaria.

Cena de Metrópolis (1927), magnum opus de Fritz Lang e clássico do Expressionismo alemão. (Crédito da imagem: Reprodução).

“Hei”, disse meu amigo na véspera, pelo Whatsapp, “tá sabendo? Metrópolis amanhã na Cinemateca. Bora?”. Eu revirei os olhos, com desgosto. Nada contra ele ir. O problema é que ultimamente estava sendo assim: ele indo, a putinha dele (Lohan) iria também. E Lohan indo… O rolê, de vinho fino que era, virava vinagre.

A primeira coisa que pensei foi inventar uma desculpa. Diria que não, que tinha já um compromisso inadiável e tal. Depois, correria para ver o filme, sozinho, incógnito na multidão — e feliz. Mas eu era um legítimo bunda-mole, tanto era que eu lá estava na hora marcada, no vento, no frio e puto, na estação da Vila Mariana.

“O Lohan está vindo”, disse meu amigo mal tinha me visto, “ele vai se atrasar”.

Recebi esta fala com zero surpresa. “Atrasar?”, pensei. Não me diga. Sugeri que esperássemos o Cão Tinhoso lá na Cinemateca. Seria melhor: poderíamos, quem sabe, conseguir ótimos lugares. E se o filme começasse, não perderíamos nada. Meu amigo, como de praxe, sequer me ouviu, com a cara enfiada no celular.

Muito tempo depois, enquanto eu e meu amigo trocávamos ideias vazias, Lohan surgiu como quem faz pirraça, subindo devagar pela escada fixa da estação. Parecia uma rainha que acabou de acordar: sonolenta e arrotando importância.

“Faltam dez minutos”, falei, já adivinhando o desastre.

Pararam em um mercadinho para comprar porcarias, morosamente como dois idosos numa casa de charutos. Engataram um papo cifrado que só eles entendiam — e isso era cada vez mais comum. Eu já sabia que me excluir na conversa era mais que um projeto, por isso, pesando na inconveniência, eu tentei apressar os dois mais uma vez.

“Qual é a dele?”, espanou Lohan. Meu amigo fez um muxoxo. Havia tamanha desidentificação na palavra dele, que percebi: aquele rolê já havia escapado das minhas mãos. Eu me senti como um bêbado no banco de trás do carro de um casal desconhecido. Bateu um arrependimento, mas era tarde.

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