O empata-rolê (10)

Fernando Alves Medeiros
Cafés e Blablablás
2 min readAug 20, 2023

Os mais entendidos costumam dizer que o ervoafetivo, via de regra, sente fome pra caramba — a famosa larica. Mas não sei se posso concordar muito com isso. Aqueles ali poderiam passar uma vida inteira assim, queimando uma guimba babada e se alimentando exclusivamente de audiovisual, sem nem sombra de inanição.

“E aí, galera?”, eu disse, zonzo de fome. “Bora pedir algo?”.

Nós olhávamos para o batatão Abismo e ele nos olhava de volta (Crédito da imagem: Midjorney)

Desprezo. O meu amigo e Lohan estavam inteiramente absorvidos nas imagens que dançavam na tela — e na fumaça. Os dois permaneciam unidos e íntimos como um casal de adolescentes. Será que eles… Bom, se fossem, que fossem, isso não era problema meu. Eu tinha outras coisas mais sérias com que me preocupar — a minha fome, por exemplo. E com a minha posição ridícula, no posto de segurador de vela...

Por que eu não ia embora? Porta e portão estavam abertos, não estavam?

Eu realmente estava na expectativa de que algo grandioso acontecesse. Uma gata voluptuosa aparecesse de repente com os seus grandes lábios me chamando. Uma pizza fumegante de pepperoni, umas cervejas trincadas no gelo, um papo que desafiasse o tempo, a amizade enfim que eu não enxergava entre aqueles caras e eu. Uma noite que pudesse não só saciar meus sentidos, mas transcendê-los. E não essa trip deprimente e egoísta, os dois se divertindo e eu orbitando como um satélite, puramente acessório.

E Dmitri? Atrás de mim, sentado na sacra cadeira, ele permanecia imóvel, a toalha roxa cruzada no peito, solene como uma estátua grega. Exceto pelo rosto inchado, as veias intumescidas na testa; desciam das suas têmperas grossas bagas de suor. Juarez, que é um escrevinhador com a sutileza de uma retroescavadeira, diria que Dmitri estaria como quem segura um peido. Com os dedos entrelaçados sobre a barguilha, tinha os olhos vazios e perturbadores — olhos duros que não piscavam.

Eu segui seu olhar. Era um baratão que nos olhava de volta, quieto e sinistro sobre a pia. De repente, parecia ser a coisa mais interessante do mundo naquela noite triste e horrível. Dei-lhe o nome de Abismo. Com o ódio, com a fome, com o cansaço e a frustração, um velho rock martelando nos tímpanos, fitar o baratão Abismo poderia servir de ascese. Na minha idade, encontrar epifania na sujeira como recompensa de ter saído de casa e abandonado Metrópolis era demais. Cansei rápido: arremessei qualquer coisa naquele inseto maldito para provar a todos ali que eu ainda era o dono de mim.

--

--