O empata-rolê (2)

Fernando Alves Medeiros
Cafés e Blablablás
2 min readMay 21, 2023

Descemos a Madre Cabrini, sem pressa de nada, como se levássemos o cão Amoroso para passear. E os dois travavam mais uma daquelas conversas impermeáveis.

“Tá sabendo?”, começou Lohan para o meu amigo, com voz afetada. “A Jussara e o Hermógenes agora estão juntos de novo”. Quem? “Eu os vi ontem de love, na Pizzaria Asteca”. Onde? Fez uma pausa, virou a long neck de Corona e tascou: “A Jus voltou para o Brasil desde ano passado, tava fazendo mestrado na Alemanha, aquela vadia”. Quê?

Se os Irmãos Lumière são os pais do cinematógrafo, Georges Méliès (1861-1938) é o inventor do cinema (Crédito da imagem: Reprodução).

Com tristeza, eu pus as minhas mãos nos bolsos. Fiquei olhando distraído para as casas em demolição, um prédio ainda esqueleto, o colégio, a universidade, o sebo, os fios dos postes. Foi quando eu percebi, atrás de uma árvore frondosa, o vulto de um homem. Era baixinho, de idade já e impecavelmente trajado de fraque e cartola. Ele me encarou e sorriu. Os seus bigodes pontudos me lembraram os de Georges Méliès.

Tirei da sacola de meu amigo uma Budweiser e fui bebendo devagar, enquanto escutava o papo-ilha daquelas referências todas. Os dois falavam da Henrietta, do Dmitri, da filha gata do Morais, do Beco da Flor, da Festa do Esquisito… E eu ouvindo calado. O filme que estava perdendo era um clássico absurdo, e eu ali, desperdiçando o meu tempo e a minha paciência. Eu tentava transmutar meus sentimentos ruins em algo mais leve. Mas a vontade era de pedir um Uber e voltar depressa para a casa.

Ouvi um teque-teque insistente. De modo instintivo, olhei para trás. Era o velhinho de cartola que nos seguia com firmeza, batendo a sua bengala no chão de um jeito bastante caricato. Sorriu mais uma vez e me deu um tchauzinho cômico.

“Parece que mais alguém quer colar no bonde”, eu disse.

Lohan fez um tsc contrariado. Falava da logística pesada que foi quando comia Isabela e uma tal de Fer ao mesmo tempo. Já o meu amigo, intrigado, girou todo o corpo. Olhou, esticou o pescoço, andou mais três ou quatro passos para o meio da rua.

“Cê tá viajando”, me censurou. “Não tem é ninguém”.

De fato, a rua estava cinzenta e vazia. Um vento gelado arrastava as folhas secas pelo chão. Na descida, éramos só nós. A conversa, então, retomou como um filme que saiu do pause. E eu — me perguntando como findaria aquele antirrolê — era a alquimia mais que perfeita entre o tédio, a frustração e a curiosidade. Bocejei com indiscrição.

Ainda bocejava, quando de novo eu ouvi: teque… teque… teque… teque…

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