O empata-rolê (2)
Descemos a Madre Cabrini, sem pressa de nada, como se levássemos o cão Amoroso para passear. E os dois travavam mais uma daquelas conversas impermeáveis.
“Tá sabendo?”, começou Lohan para o meu amigo, com voz afetada. “A Jussara e o Hermógenes agora estão juntos de novo”. Quem? “Eu os vi ontem de love, na Pizzaria Asteca”. Onde? Fez uma pausa, virou a long neck de Corona e tascou: “A Jus voltou para o Brasil desde ano passado, tava fazendo mestrado na Alemanha, aquela vadia”. Quê?
Com tristeza, eu pus as minhas mãos nos bolsos. Fiquei olhando distraído para as casas em demolição, um prédio ainda esqueleto, o colégio, a universidade, o sebo, os fios dos postes. Foi quando eu percebi, atrás de uma árvore frondosa, o vulto de um homem. Era baixinho, de idade já e impecavelmente trajado de fraque e cartola. Ele me encarou e sorriu. Os seus bigodes pontudos me lembraram os de Georges Méliès.
Tirei da sacola de meu amigo uma Budweiser e fui bebendo devagar, enquanto escutava o papo-ilha daquelas referências todas. Os dois falavam da Henrietta, do Dmitri, da filha gata do Morais, do Beco da Flor, da Festa do Esquisito… E eu ouvindo calado. O filme que estava perdendo era um clássico absurdo, e eu ali, desperdiçando o meu tempo e a minha paciência. Eu tentava transmutar meus sentimentos ruins em algo mais leve. Mas a vontade era de pedir um Uber e voltar depressa para a casa.
Ouvi um teque-teque insistente. De modo instintivo, olhei para trás. Era o velhinho de cartola que nos seguia com firmeza, batendo a sua bengala no chão de um jeito bastante caricato. Sorriu mais uma vez e me deu um tchauzinho cômico.
“Parece que mais alguém quer colar no bonde”, eu disse.
Lohan fez um tsc contrariado. Falava da logística pesada que foi quando comia Isabela e uma tal de Fer ao mesmo tempo. Já o meu amigo, intrigado, girou todo o corpo. Olhou, esticou o pescoço, andou mais três ou quatro passos para o meio da rua.
“Cê tá viajando”, me censurou. “Não tem é ninguém”.
De fato, a rua estava cinzenta e vazia. Um vento gelado arrastava as folhas secas pelo chão. Na descida, éramos só nós. A conversa, então, retomou como um filme que saiu do pause. E eu — me perguntando como findaria aquele antirrolê — era a alquimia mais que perfeita entre o tédio, a frustração e a curiosidade. Bocejei com indiscrição.
Ainda bocejava, quando de novo eu ouvi: teque… teque… teque… teque…