O empata-rolê (3)

Fernando Alves Medeiros
Cafés e Blablablás
2 min readMay 28, 2023

Mal chegamos em frente ao SENAI e já ouvíamos os ribombos da orquestra. Suspirei com resignação. Nunca gostei de tomar assento tendo o filme já começado. Para mim, assistir algo é vê-lo do começo ao fim. Mas e daí? Os meus colegas de rolê, que pouco se lixavam às minhas manias, já tinham secretamente definido outra rota.

Paramos os três perto da entrada da Cinemateca.

Lohan, numa ligação, olhava para o nada feito um caricato homem de negócios. Gemeu algumas palavras, disse “vem logo, chegamos” com manha e desligou.

A Cinemateca Brasileira (Crédito da imagem: José Cordeiro / SPTuris)

No mesmo instante, saiu da Cinemateca um rapaz esquálido e com a barbicha falhada. “Que agonia”, disse o estranho, a voz não casando com as suas feições frias. “Filme chato da porra”. O meu amigo deu um guincho de rato, me olhou torto e emendou: “E tem gente que ainda vem ver essa merda”. Pausa. “E ainda por cima que tem no YouTube”, disse Lohan porque, bem, sempre tem que ser dele a palavra final.

Eu me ofendi com a grossa heresia, óbvio. “Aos porcos, dá-se lavagem; não pérolas”, pensei. Fazer o quê? Aquela gente permanecia ainda na dimensão de bicho.

Cumprimentei o Dmitri, o recém-chegado. Nunca em toda a minha vida apertei mãos mais frias e escorregadias que a dele. Apertei nada ― a mão escapou de meus dedos como uma fatia de apresuntado. Percebi também que o seu gestual era de robô.

Lohan, como se ouvisse uma deixa inaudível, surgiu com um baseado brilhante e grosso fumaçando entre os dedos. Me ofereceu (eu estava mais próximo), mas recusei com educação. Os três então me olharam longamente, em silêncio, com estranhamento. Um ateu pego em flagrante num jantar das comadres católicas não sentiria o que eu senti naquele momento: em destaque, mas numa chave totalmente ruim.

“Não quer? Não quer”, soltou Lohan mais uma pérola de sua retórica oca enquanto Dmitri pegava o cigarrinho do capeta. Era o máximo de espontaneidade que aquele ciborgue conseguia emular. Lohan fez as suas perguntas, Dmitri deu as suas respostas… e os três se afastaram de mim. Eu já havia aceitado o meu triste papel, espécie de talo de acelga na tigela de sucrilhos. Eles, cochichando, já nem disfarçavam. E eu, puto, é claro, observava com fingido interesse as luminárias embutidas na calçada.

Foi quando eu escutei, atrás de mim, três pancadinhas secas no vidro. Voltei-me: era o velhinho de cartola, quase colado à janela, com o seu indestrutível sorriso sacana.

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