O empata-rolê (4)
Não me contendo de curiosidade, entrei na Cinemateca. No café, em um canto, próximo a uma grande câmera antiga, estava o velhinho sentado em uma mesa. Ele, sem piscar, me olhava com vivíssimo interesse e sorria o seu largo e inseparável sorriso.
“Sente-se, meu jovem”, disse-me com a dicção límpida, usando a palavra jovem com uma ênfase que somente os muito idosos são capazes de imprimir.
Os ataques da orquestra ricocheteavam pelas paredes vermelhas. Da área externa vinham os sons e as luzes da projeção, bem como um vento gélido. Sem pressa de nada, o estranho idoso bebericava o seu café com o dedo mindinho levantado para o teto.
“Quem é o senhor?”, eu perguntei. Ele ameaçou responder, mas limitou-se apenas a acenar para a mulher do caixa. Éramos só nós três naquele antigo salão. A mulher havia acabado de fazer um café expresso, já vinha trazê-lo em uma bandeja. Eu estranhei. Há muito que frequento o lugar; sabia que aquela dinâmica destoava do habitual. Você pedia, pagava e só depois retirava no balcão. Levar à mesa? Estranho…
Comecei a pensar que aquele velhinho não deveria ser qualquer porcaria.
“Flávio de Ramalho, às vossas ordens”, disse sem nem me cumprimentar, o café aterrissando à mesa. O nome completo foi dito com gravidade, como se se tratasse do Abilio Diniz. Enquanto eu saboreava o café encorpado e quente (que eu nem pedi), o velho parecia observar o efeito que aquilo tudo exercia sobre mim. O que ele queria? Esfregou as mãos com impaciência, alisou o bigode grisalho, e disse como quem retomava um papo recém-interrompido: “Você tem que deixar fluir, meu jovem”.
“Deixar fluir o quê?”, eu perguntei. Ele apontou para o próprio coração. “Há portas que se abrem…”, prosseguiu, enigmático. “Basta ter apenas a vontade de aprender, que a Divina Providência coloca em seu caminho alguém disposto a ensinar”.
“Aprender o quê? Ensinar o quê?”. A minha ansiedade estava atacada.
“Ainda nos veremos mais vezes, meu jovem”, disse, levantando-se de repente. “Tende paciência”. Estendeu então a mão, eu também. Era uma mão pequena e macia, mas que apertou a minha com uma força inesperada. O velho, todo risonho, olhava bem dentro dos meus olhos. Quando me soltou, tomou a sua bengala com o castão de prata, a sua cartola, fez uma mesura teatral e desapareceu num estalo. Em seu lugar, devagar, caía um cartão verde, girando feito um confete. Peguei, pus no bolso e saí depressa dali.