O empata-rolê (5)

Fernando Alves Medeiros
Cafés e Blablablás
2 min readJun 18, 2023

Enquanto saía do café e me dirigia apressado para a rua, eu me esbarrei nos três.

“Onde você estava, meu?”, perguntou meu amigo, ignorante. “Tava cagando?”, quis saber Lohan, com o seu sorriso seboso. Dmitri apenas me encarava com os seus grandes olhos mortiços. “Eu vim tomar um café…”, falei, com humildade. “Café?”, estranhou meu amigo. “Que café? Cê tá doido? O café da Cinemateca está fechado”. Pelas vidraças, eu vi todo o café às escuras. E essa agora? Eu já não entendia mais nada.

O carro Chevrolet Corsa Sedan, mais tarde chamado de Chevrolet Classic, foi um modelo de automóvel fabricado entre 1996 e 2016. (Crédito da imagem: Chevrolet / Divulgação).

“Você é autista?”, o meu amigo estava quase gritando, agitado. Eu, porém, meio aéreo, tentava apenas sentir no bolso da calça o estranho cartão. E ele continuava lá, frio e pontiagudo, provando que o velhinho não havia sido nenhum delírio. Ufa, menos mal.

“Bom…”, eu tentava exercer meu autocontrole. “O que vocês querem?”.

Estavam à minha procura, pois partiriam sem mais delongas para a casa do Dmitri. Achei estranha toda aquela preocupação. “Vamos então”, respondi. Mas quem pediria o Uber? O meu amigo, durango de tudo — como sempre — , tirou o dele da reta. Dmitri, sem nada falar, apenas ostentava o celular morto. Lohan, palavroso feito uma velha, dizia que o cartão atrelado à conta do Uber estava com problema, pipipi, popopó.

Dei de ombros, havia entendido. Parecia que o único adulto funcional ali era eu.

“Pede aí”, disse meu amigo, manso de repente, contemporizando. “Depois a gente se acerta”. “OK”, eu disse, seco. “Pra onde?”. Dmitri cochichava no ouvido de Lohan, e este gritava, fresco e pernóstico: “Não acredito!”. Ficou nisso umas três vezes.

“Pra onde?”, eu repeti, puto. Ficaram um tempão ali na minha frente, rindo, dispersos, até que Dmitri, empertigado feito um espantalho, chegou ao meu ouvido e disse o endereço. Joguei no aplicativo, solicitei. Vinte reais a viagem? Muito que bem.

“Tá vindo?”, perguntou meu amigo, ansioso, mal eu havia guardado meu celular. Conferi, viria dentro de cinco minutos. “Qual carro?”, perguntou Lohan. “Um Classic”, respondi. “Que bosta”, respondeu Lohan, mostrando os seus dentes marrons.

O Classic chegou, devagar, nos estudando. O motorista repetiu meu nome, eu disse o dele. Quando o veículo parou, eu não entendi: Lohan saltou depressa e, folgadamente, sentou-se à frente, no banco da carona. Enquanto eu, Dmitri e meu amigo nos virávamos todos para caber no banco de trás. O bafo dos dois era brabo.

O carro, então, partiu veloz para a conclusão da noite, para o arremate do rolê.

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