O empata-rolê (7)

Fernando Alves Medeiros
Cafés e Blablablás
2 min readJul 2, 2023

O Uber, tão logo se viu livre da gente, fugiu a toda daquela rua sem saída. Nós estávamos perante um muro alto, pichado e cheio de lixo. Atrás, passava a linha do trem. Dmitri se dirigiu a um estreito portão, o último, colado à direita do muro.

“É aqui”, disse Lohan, só para quebrar a quietude. Ao longe, três espectros esguios nos olhavam sob a luz precária dos postes. Eram os noias do lugar.

No quarto de Dmitri, havia uma mesa cheia de tranqueira e uma cadeira com uma toalha roxa no encosto (Crédito da imagem: Stable Diffusion Online).

Dmitri entrou rápido pelo portãozinho, o que provava que aquilo vivia aberto. Seguimos. Os nossos pés faziam ruído nas pedras miúdas do corredor. Sobre as nossas cabeças, eu vi as nuvens pardacentas do céu riscadas por vários fios, mais o pálido reflexo de algumas janelas. Com Dmitri sempre nos guiando, nós passávamos muito rente às portas numeradas — ali era um verdadeiro cortiço de quartinhos padronizados. Passamos por uns dez ou onze. Depois, eu descobri que ao lado era a entrada “principal” para acessar os muquifos — talvez melhores — dos andares de cima.

Abriu a porta, a última, que nem trinco possuía. Acendeu a luz. A lâmpada descia um palmo do teto em um fio cheio de teia de aranha. À nossa direita, uma portinha sanfonada estava semiaberta, mostrando o banheiro, a pia com a torneira envolvida em um saco de lixo. Não pude deixar de notar, sobre a pia, uma camisinha usada ao lado de um maço de cigarros. À esquerda, logo para quem entra, uma mesa com uma única cadeira (no encosto, uma toalha roxa). Sobre a mesa, um pacote vazio de Trakinas, uma cafeteira sem tampa, bitucas, uns boletos amarelados, muito papel, um caderno sujo com a espiral destruída. Ao lado, mais um passo, uma fruteira velha que se transformou em um porta-trecos (com carregadores de celular, meias, cuecas, sacolas, revistas, etc.). Um colchonete dobrável, um travesseiro encardido, três almofadas de sofá (cujas estampas não combinavam). Havia uma bicicleta também, imunda de barro.

O ambiente todo era um mix forte de mijo, umidade, ganja, cigarro e porra.

Destoando, porém, completamente da miséria do lugar, eu vi, sobre um caixote de feira, um PS4 brilhando. Ao fundo, em um suporte na parede, havia uma TV enorme.

Lohan, veloz, pegou o travesseiro podre e sentou-se sobre ele, já ligando a TV. Meu amigo, sem frescura, sentou-se no chão mesmo. Já eu… eu me sentei na cadeira.

“Folgado esse cara”, disse Lohan. “Sai daí, meu”, gritou meu amigo. “Por quê? Não pode?”, perguntei. Pela cara deles, eu tinha acabado de fazer algo de muito errado.

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