O empata-rolê (8)

Fernando Alves Medeiros
Cafés e Blablablás
2 min readJul 23, 2023

Puquê? Numpódi?”, falou Lohan, alto, me arremedando. “Claro que não pode, caralho! Se eu, que sou amigo do cara HÁ ANOS, nunca me sentei aí, por que você, no primeiro dia, já se acha no direito? Hein? Pelamor, né? Muito espertinho, você”.

“Liga não”, disse meu amigo, tapando a risada com a mão. “Ele é autista”.

A minha vontade, eu juro, era de arremessar a cadeira naqueles dois idiotas. Mas, como sempre acontece comigo, isso não passou da vontade. A custo, me segurei.

A cadeira de Dmitri e sua estranha toalha roxa. (Crédito da imagem: Stable Diffusion Online)

Lohan, porém, estava disposto a esticar o climão. “Dmitri, me desculpa, tá? E você, vá, peça desculpas você também — e logo”. Eu precisava acabar depressa com aquele alvoroço. “Cara… eu não sabia”, falei, me levantando. Dmitri apenas sacudiu a cabeça e, com a toalha roxa, limpou o assento e o encosto da cadeira. Sentou-se. Só de raiva, eu fiquei de pé, ali espremido entre o porta-trecos e o colchonete enrolado.

Lohan se preparava para me dar outro esporro, e eu, para lançar a garrafa térmica bem naquela cara desagradavelmente amarela, quando meu amigo lhe tomou o controle remoto. Naquela amizade esquisita, eu achei isso um baita gesto de subversão.

“Vamos ver uns vídeos legais no YouTube”, disse por fim, com cálculo.

Começamos a ver alguns clipes de um pop safado. Meu amigo passeava rápido por eles, sem deixar terminar nenhum. Nicki Minaj, Dua Lipa, Anitta, Beyoncé… Não lembro qual cantora que era, só lembro que dançava com uma energia sensual e hipnotizante. E eu, apesar da raiva, da fome e do cansaço, acabei ficando de pau duro…

“Que bucetão”, deixei escapar. “Bucetão, Figurinha?”, disse Lohan, feito um padre escandalizado. Respirei profundamente. “Mas era você que estava comparando as xoxotas das minas, não?”. “Comparar é uma coisa”, disse meu amigo, em sua velha vibe canina, “agora chamar uma mina gata de bucetão…”. “E se fosse sua filha?”, perguntou o outro. “Vocês parecem curtir outra coisa”, eu retruquei. “E SE EU CURTIR?”, gritou Lohan, ficando de pé. “Bom… aí você não tem moral nenhuma pra me passar sermão”.

Lohan me encarava, putaço, as veias saltadas do pescoço. O seu repertório de gestos não saía muito desse eterno professor entediado perante uma classe de moleques. E eu estava doido para enfrentá-lo. Afinal, o que ele faria comigo? Me deixaria de castigo, sem recreio? Me mandaria para a direção? Faria um bilhete para a minha mãe?

“Parem de brigar”, disse meu amigo, “e prestem atenção nesse bagulho genial”.

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