Anos Amarelos

Engraçada a vida. É exatamente isso! Somente quando acontecer com você, é que você entenderá de verdade.

Camila Rocha Vendrametto
CAFÉ FORTE
2 min readOct 13, 2019

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“Mas você tem tudo!”, dizem. Realmente. Tenho um ótimo emprego em uma multinacional. Tenho um companheiro, parceiro, amor da minha vida, sem igual. Estou na faculdade dos meus sonhos com o curso que me fez ter certeza do que quero seguir. Tenho uma família abençoada, com suas diferenças, mas amada e presente na medida do possível.

Eu tenho tudo, mas um sentimento tem me acompanhado há tempos, e eu ainda não consigo mensurar seu nome, sua intensidade, sua influência. Eu sei que esse sentimento aqui está, porque eu já não sou mais tão eu no dia a dia.

Sinto perda de memória, dor de cabeça, cansaço, crises, sono turbulento, não sinto vontade de levantar da cama, já acordo com tremores e palpitações.

Imaginava eu, na minha pequena ignorância da adolescência, que sempre seria forte e que ter qualquer desses sintomas e tomar remédio para amenizá-los me tornaria fraca.

Mas não, hoje percebo o quanto fui forte em reconhecer, em me reconhecer. Isso nunca foi questão de fraqueza. Isso sempre foi força.

Como disse, eu sei que esse sentimento aqui está, porque eu não sou tão eu no dia a dia. Acho, na verdade, que eu sou muito eu sim, mas em uma outra versão, com outras questões: eu ainda sou eu. Porém, confesso, que todas essas coisas fazem com que a gente se sinta menos, desumanizada, como se quiséssemos ser uma versão, mais feliz (?), de volta. Como se não fossemos nós.

Não seremos. Todas as personas que nós somos uma hora vão embora, cada uma com suas questões. Vai ver é isso que é o amadurecer. Essas versões novas que vão chegando, tomando um café e assistindo uma sessão da tarde com quem a gente é hoje, pra dizer: “até breve”.

Eu estou esperando esse café, viu. Fico sentada, levanto, olho pela janela, me sento novamente, espio o relógio, leio uns livros, passo café todas as tardes. Mas o café tem esfriado.

Nesse tempo, acho que vou arriscar fazer um café mais forte, quem sabe até adoçado ou, ainda, um chocolate quente. Me arriscar a tomar um café com quem sou hoje.

Quem sabe, no momento em que eu guardar o pote de açúcar, não ouço um “até breve”?

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Camila Rocha Vendrametto
CAFÉ FORTE

tenho medo de filme de terror, mas uma coragem enorme pela vida. nosso livro: bit.ly/InVersoEmProsa