A vida não é um conto de fadas

Camila Rocha Vendrametto
CAFÉ FORTE
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3 min readJan 18, 2018
Cinderela: sem o cinismo moderno

Eu tenho um vizinho muito querido que me perguntava “já casou, moça?” todas as vezes que me via.

Até que, em 2016, depois de quase uma década ouvindo todos os dias a mesma questão e respondendo “não”, eu disse pra ele: “não casei e não pretendo, quero priorizar os meus estudos para ser bem sucedida um dia, ter um carro, uma casa, morar sozinha e continuar a ajudar os meus pais”.

Ele ficou quieto, acredito que não esperava a resposta, e desde aquele dia nunca mais me questionou.

Depois disso, passei a refletir sobre como é difícil para nós, mulheres, tomarmos decisões inesperadas por grande parte da sociedade. Estamos desconstruindo o conto de fadas que nos contam desde meninas.

Nós crescemos e descobrimos que a vida não é feita de príncipes encantados montados em cavalos brancos. Descobrimos que a vida é difícil e o pseudo-romantismo que é impregnado desde sempre em nossas vidas, na real, nos prejudica.

Isso me lembra frases como “quando aparece alguém que dá uma vida de princesa, trazendo flores e chocolates, elas não dão valor”.

Não queremos ser tratadas como princesas. Na verdade, queremos ser tratadas pelo o que realmente somos, fortes e únicas, sem comparações.

Pra quê tentar achar justificativas negativas para um “fora”? Precisamos entender que, na maioria das vezes, a pessoa só quer ficar sozinha e só.

Não dá pra mandar nos sentimentos. Não existe um botãozinho para apertamos e, automaticamente, gostarmos ou não de alguém, isso é simplesmente incontrolável e tá tudo bem ser assim.

Às vezes queremos ficar só, às vezes pre-ci-sa-mos de um tempo. Não precisamos ter alguém ao lado para alcançarmos a felicidade plena, o desejado felizes para sempre.

Concordo com Tom Jobim: amor é fundamental, mas discordo em relação ao “é impossível ser feliz sozinho. Ter alguém ao lado não significa ser 100% feliz.

Cultivar a ideia da felicidade plena feat. contos de fadas é aumentar o pseudo-romantismo e a dependência amorosa, além de contribuir para o índice de relacionamentos abusivos.

Segundo a ONU, três a cada cinco mulheres já foram vítimas de uma relação abusiva. Dá pra ter noção dessa conta? É um número altíssimo!

Somente agora, depois de anos de denúncia, os abusos que Dylan Farrow sofreu de seu pai, Woody Allen, estão sendo discutidos pela mídia.

Fora os casos que nem viram estatísticas, completamente silenciados pelos meios de comunicação.

No conto de fadas, tudo é muito lindo, o príncipe ama a princesa, diz “Eu te amo” e as brigas, as violências verbal e física são detalhes que não precisam ser contados na história, né? Chega de focar só na parte boa.

Por esse motivo, e por tantos outros, precisamos esclarecer aos apaixonados de plantão que o amor não machuca. E se tá machucando, já canta Molejo: não é amor, é cilada.

Precisamos abrir os olhos das meninas e dos meninos também, para que saibam diferenciar o amor do desgaste mental proporcionado pelo Era Uma Vez.

Tudo o que precisamos é reconstruir essa história, mostrando que os personagens principais também podem se sentir bem por escolherem ficarem sós na busca da felicidade.

E se a gente reescrever o verso de Jobim? Fundamental é mesmo o amor, é possível SIM ser feliz sozinho!

E se tentarmos um novo Era Uma Vez? Era Uma Vez, uma garota valente que buscava o amor próprio. Ela estava tranquila, pois não buscava ser feliz só se estivesse com alguém, ela buscava a plenitude em ser feliz consigo mesma.

Precisamos de mais histórias assim. Precisamos escrever novos contos de fadas. Sendo felizes para todo o semp… agora.

To be continued.

✍️💛

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Camila Rocha Vendrametto
CAFÉ FORTE

tenho medo de filme de terror, mas uma coragem enorme pela vida. nosso livro: bit.ly/InVersoEmProsa