Clube de Autoras: Hoje é o último dia do resto de sua vida, de Ulli Lust

Estava esperando ansiosamente por esse livro, não sei porque. Aliás, acho que sei: o título foi muito atrativo, primeiramente. Depois, saber que se tratava de uma autora mulher atiçou ainda mais meu desespero para ler. E o desespero foi sedimentado quando soube que se tratava de um livro autobiográfico sobre a jornada meio (ou totalmente) punk rock de Ulli pela Itália com a amiga, no início da década de 80.

Corri pra livraria e confesso que me assustei com o preço da HQ de 464 páginas: R$79,90. A Martins Fontes vende como uma edição especial, mas o que a publicação tem de especial são os extras no fim, com fotos e uma pequena biografia, também contando o desfecho de alguns dos personagens. Pensei — “A Martins Fontes quer mesmo que este seja um livro adquirido só pelos iniciados nas graphic novels, porque só gostando muito mesmo pra investir”. E aí comecei a ler, fui logo fisgada, não tive jeito: levei pra casa.

Em 1984, Ulli era uma garota punk de Viena. Conheceu Edi, outra garota punk, e depois de fazerem amizade, decidem que vão pra Itália juntas, já que esse era um sonho da Ulli. A HQ não poupa você de saber como era ser uma adolescente punk na Europa dos anos 80: Ulli conta que foi estuprada, e que era muito difícil conviver com os homens — a maior parte deles cedo ou tarde tentava transar com uma das duas meninas. Ulli e Edi vivem de grupos em grupos, depois que chegam na Itália, fugindo da imigração, pedindo dinheiro nas ruas e eventualmente se prostituindo. O livro também revela o machismo do período, tanto na Itália quanto na Áustria, inclusive dentro do próprio movimento punk.

A leitura de “Hoje é o último dia do resto da sua vida” não é nem um pouco cansativa, e, infelizmente, o livro acaba rapidinho, apesar das mais de 400 páginas. Para mim, ler um pouco da história de Ulli foi uma grande mostra da coragem de muitas das jovens punks da época, que viajavam sozinhas num período em que uma mulher só em diversas cidades italianas, como mostra o quadrinho, corria grande perigo de sofrer muitos abusos (se isso é real agora, em qualquer parte do mundo, imagina há mais de 30 anos atrás, numa Itália dominada pela máfia). A graphic novel é uma história sobre ir atrás do que quer, viver do jeito que dá e sobre viver intensamente, e com bastante coragem — mesmo com toda adversidade.

Para completar, o traço de Ulli é simples e direto ao ponto. A HQ utiliza-se de preto, branco e um tom de cinza esverdeado, e isso basta, inclusive. Gosto muito de quadrinhos em que o traço foge do convencional, que as formas não são muito arredondadas e onde os personagens são desgrenhados e cheios de personalidade. HQ Altamente recomendada.

Ah! Ulli estudou design gráfico. Atualmente vive como quadrinista em Berlim.

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Hoje é o último dia do resto da sua vida
Formato 16,9 x 23 | 464 páginas | R$ 79,90 | Ulli Lust | Primeira publicação: 2009, traduzida pela Fantagraphics em 2013 | Edição brasileira pela Martins Fontes, 2015 | Tradução: Augusto Paim
Vencedor dos prêmios Max & Moritz 2010; ICOM 2010; Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême 2011; Artémisia 2011 e Ignatz 2013.