Fazer o que ama pode ser bom pra você, mas é ainda mais lucrativo para os coachs

Cafeína Zine
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6 min readJan 4, 2017

Outro dia vi uma matéria num dos zilhões de sites que contam casos de profissionais que largaram tudo para fazer o que amavam. Ela me irritou bastante, e vou explicar por quê.

A história era de um cara que tinha um emprego numa multinacional e ganhava bastante dinheiro, viajava bastante e tal. Um dia ele decidiu, depois de algum tempo insatisfeito com a falta de liberdade e de controle de seu próprio tempo, que iria largar tudo para começar uma Startup. Ele começa contando as dificuldades que enfrentou, fala que ficou sem dinheiro, que às vezes pedia grana pra namorada pra comprar comida.

E aí ele rapidamente pula para dois anos depois, já rico de novo, trabalhando de uma praia de algum lugar do mundo e lucrando milhões por ano.

A pergunta é: em que momento este rapaz, que agora obviamente também é coach de empreendedores, retrata a realidade daquelas pessoas que passam três, dez anos trabalhando num fixo e no seu próprio negócio, em uma jornada que muitas vezes ultrapassa 12 horas por dia?

Este é só um exemplo de um fenômeno que aconteceu a partir de nossa ânsia (pelo menos da geração que hoje tem de 25 a 35 anos) de trabalhar com o que curtimos fazer: os coachs de empreendedores perdidos.

Os coachs de empreendedores perdidos são aquelas pessoas sempre felizes que tem bastante sabedoria e que conversam contigo através de emails, vídeos, redes sociais. Eles parecem possuir a chave para o sucesso do empreendedor, porque vivem fazendo o que amam. E olha só: para muitos deles, o “fazer o que amam” é justamente ensinar às pessoas a viverem fazendo o que amam. Olha o loop! Olha a metalinguagem!

Assisti muitos dos vídeos desses coachs. Alguns são mais críveis que outros, alguns são mais profissionais que outros — sim, porque existem coachs que gravam vídeos do quarto escuro de casa ensinando como você pode dar guinada em sua vida. Muitos dizem que tem o segredo do sucesso dividido em X passos simples e numa metodologia que funciona muito, basta pagar X parcelas de tantos reais, totalizando cinco mil e lá vai. Outros vendem palestras pelo mundo todo e estão sempre afirmando que tudo o que você precisa fazer para conseguir o sonho de ser dono do seu próprio negócio é trabalhar, trabalhar muito (opa meritocracia, como vai). E todos tem a mesma premissa: a de que você, pessoa da criatividade, está infeliz numa vida comum e que tudo o que precisa fazer para alcançar aquele sucesso de trabalhar da praia é seguir os passos direitinho, trabalhar muito e nunca, jamais, jamais desistir de fazer o que ama. Seja lá o que isso for.

Eles parecem possuir a chave para o sucesso do empreendedor, porque vivem fazendo o que amam. E olha só: para muitos deles, o “fazer o que amam” é justamente ensinar às pessoas a viverem fazendo o que amam. Olha o loop! Olha a metalinguagem!

Oh lá, que simples: você faz um curso de duzentos zilhões de reais. Check. Segue a metodologia direitinho. Check. Faz mais um curso e lê todos os livros do coach. Check. Mas aí você continua sentindo que alguma coisa não está funcionando, e o coach continua te dizendo: é porque você não está fazendo os exercícios direito. Você recebe os emails do segundo coach, que diz que você pode ter alcances estratosféricos no facebook, só precisa seguir aqueles cinco passos. O terceiro coach diz que para aumentar suas vendas pela internet você precisa seguir três dicas infalíveis que vão mudar sua vida e aumentar seus rendimentos para mais de mil dólares (sim, dólares, bem sucedido ASSIM) por mês. E a coisa continua sem engrenar. O depoimento daquela artista que está cheia de clientes e que vive da venda de seus quadros te deixa com os olhos brilhando; aquela outra que abriu a empresa e fez o curso logo em seguida tem dois meses com cnpj e já fatura 20 mil….e aí você surta sozinho em casa, em posição fetal no canto da parede até às seis da manhã, quando você precisa estar de pé pra se arrumar pro trabalho.

O negócio de ” viver fazendo o que ama” é muito mais lá embaixo. Tem quem realmente tenha seguido o sonho, e tem quem esteja lucrando com a ansiedade alheia. A maior parte dos coachs de empreendedores perdidos lucra com a ansiedade, a urgência, a frustração e o desespero das pessoas que querem sair de uma vida onde, em boa parte do tempo, estão na frente de um computador no escritório, cercadas de luz artificial. Normalmente, os coachs ignoram pessoas que não tem dinheiro para simplesmente largar o emprego ou não conseguem juntar 50 mil reais pra abrir aquele negócio porque as contas são mensais e não esperam. Se você parar para perguntar como aquela pessoa conseguiu grana ou como aquela pessoa que acabou de abrir uma empresa já tem estrutura toda montada, os vídeos não vão responder. Porque coachs não estão interessados em como você vai arrumar grana pra montar aquele food truck. Eles querem te dizer VOCÊ PODE, VOCÊ CONSEGUE, receber uma grana por isso, te mostrar dicas de como falar com seu público, como se apresentar pras pessoas, o que fazer na hora de atender um cliente….

Mas se você não tem a grana pra comprar o food truck e o material, não adianta muito.

Cadê os coachs que dizem “cara, qual o teu orçamento? vamo planejar uma maneira de você abrir sua empresa em x meses com o que você tem”? Pode parecer bobo pra quem lê, mas experimente ser uma pessoa que não conta com mais ninguém pra pagar contas/se bancar e sonha abrir, por exemplo, um escritório de design. Essa pessoa vai buscar informações com coachs e eles vão ficar lá dizendo “primeiro você precisa descobrir seu público, depois você faz exercício x para aprender a ter mais acessos no facebook e depois você faz meu curso e..”. Coachs queridos: se o cara não tem grana pra pagar o mercado, ele não vai ter grana pra fazer o curso. O negócio é quase como dízimo de igreja: “Aperta um pouquinho, porque vai mudar toda a sua existência”.

A maior parte dos coachs de empreendedores perdidos lucra com a ansiedade, a urgência, a frustração e o desespero das pessoas que querem sair de uma vida onde, em boa parte do tempo, estão na frente de um computador no escritório, cercadas de luz artificial.

Quer saber? Cuidado com os coachs de empreendedores perdidos. Porque eles trabalham com a premissa de que, se você quer realizar seu sonho, vai fazer qualquer coisa por isso. E vai pagar qualquer quantia pra quem conhece o segredo de como você pode chegar lá. O primeiro passo é ir com calma. Apesar de venderem a ideia de que sua vida toda pode mudar em dois meses, ou que depois de dois anos você vai passar a ganhar 300 mil reais anuais, quem sabe de suas dificuldades é você. E pode ser que você siga os passos daquela pessoa que largou tudo pra fazer o que gosta e fez o curso de fulaninho e “hoje está super bem”, pra depois descobrir que, na realidade, a figura mora com os pais (logo, não paga aluguel) e que recebe mesada.

Vá atrás de saber se aquele coach fez alguma coisa a mais na vida que dar conselhos pra outras pessoas e cobrar por isso. E acima de tudo: procure saber tudo o que puder sobre o tipo de empresa que quer abrir e o que quer fazer. Porque ó, às vezes um simples cnpj pode te dar tanta dor de cabeça que você enlouquece — tudo porque ninguém ensina a parte onde você executa coisas chatas, e são as coisas chatas como entender da burocracia e saber como você vai ter dinheiro pra fazer o seu negócio dar certo que fazem toda diferença.

Geralmente os coachs pulam logo pra parte que ficaram milionários.

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