Panorama das Feiras Independentes no Brasil: porque elas estão começando a bombar por aqui?

Lila Cruz
cafeinazine
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7 min readJan 4, 2017
Feira Dente, em Brasília. Foto: reprodução/Facebook Feira Dente

Desde que montei uma marca com uma amiga, em 2009, se não me engano, participei alguns bazares, depois eventos de coletivos, e até hoje me arrisco em alguns eventos aqui e ali, mas em termos de Feiras de Publicações, sou novata. Uma coisa é certa: nunca vi tanta coisa acontecendo como estou acompanhando nos últimos dois anos. Muitas feiras novas para editoras e artistas independentes, pelo Brasil inteiro, muitas editoras novas e artistas publicando de modo independente (ou seja, fora das grandes editoras). Em tempos frenéticos de redes sociais, onde a gente fica sabendo de todos os eventos ao mesmo tempo e acaba querendo participar de tudo, me perguntei:

Em que momento é legal participar de uma feira de publicações, e em que momento é melhor ficar na minha?

Pra entender melhor o cenário das feiras, seus expositores e seu público, fiz um questionário básico e também conversei com algumas pessoas que estão por dentro do que acontece. Tive alguns resultados que me apontaram situações que eu já tinha em mente que aconteciam, e respostas que me fizeram refletir bastante.

Pra começar, perguntei pras pessoas, donos de editoras independentes, autores iniciantes e experientes, com que frequência elas participavam das feiras. Do total, 63.2% responderam que quase sempre, enquanto 26,3% afirmaram serem assíduos nas feiras pelo país. Já 7.9% das pessoas que responderam ao questionário afirmaram estar indo (ou ter ido) pela primeira vez à uma feira este ano. Apenas 2.6% afirmaram nunca ter participado de um desses eventos.

Já em termos de quantidade de feiras por ano, 56.4% das pessoas afirmaram que participam de até três feiras anualmente, enquanto 25,6% participam de até nove feiras. Para o deleite da minha imaginação, 15,4% afirmaram que participam de uma quantidade maior que dez feiras anuais, e eu fiquei me perguntando como deve ser louca e cansativa a rotina cheia de eventos destas pessoas. 2.6% dos entrevistados afirmaram que normalmente não vão a nenhuma feira.

Entre os maiores gastos estão passagens e hospedagens, apontadas por 61.5% das pessoas como maior despesa na hora de participar de um evento fora

Gastos — Uma das grandes preocupações de quem frequenta esses eventos como expositor são os inúmeros gastos: se uma feira for fora de sua cidade, conte com despesas com alimentação, passagens de avião, transporte público e hospedagem, o que torna o saldo final da feira um pouco difícil de ser positivo. Já nos eventos locais os gastos diminuem consideravelmente. Do total de entrevistados, 61.5% das pessoas afirmou que gasta em média até 100 reais em eventos locais, enquanto 30.8% afirmaram gastar até R$500. Nenhuma das pessoas apontou gastos acima de 500 reais para os eventos que ocorrem em suas cidades. Já para eventos que demandem viagem, o custo aumenta (e muitas vezes, bastante): enquanto 23.5% das pessoas afirma gastar até 100 reais em eventos fora da cidade onde moram, 41.2% apontam ter despesas até 500 reais, 20.6% dizem gastar até 1000 reais e 14.7% afirmam ter gastos acima de mil. Entre os maiores gastos estão passagens e hospedagens, apontadas por 61.5% das pessoas como maior despesa na hora de participar de um evento fora. Em seguida estão os custos das mesas e stands, que são o maior gasto na opinião de 20.5% das pessoas que responderam o questionário. Por último está a renovação do estoque (que culmina em gastos com impressão…e esses por si só já são uma dor de cabeça), apontada por 17.9% dos entrevistados como maior gasto.

Feira Grampo, em Curitiba. Foto: Reprodução / Facebook Feira de Impressos Independentes / Igor Romko

O mais interessante dessa mostra é relacioná-la com o que se ganha, em média, numa feira: 7,9% das pessoas afirmou quase nunca conseguir cobrir os gastos que tiveram com a feira e 5,3% afirmaram normalmente não conseguir realizar vendas nos eventos. A maior parte dos entrevistados, 39,5%, afirmou vender até R$500, enquanto 13,2% apontaram vender até R$100 por evento. Apesar disso, ainda há quem tire até R$1000 numa feira (18,4%) ou quem consiga ter um faturamento final no evento de um valor acima de R$1000 (15,8%). O que se observa, ao cruzarmos as informações, é que se uma feira é fora da cidade onde o artista/grupo reside, boa parte de quem participa desses eventos conseguem tirar lucros pequenos (ou até mesmo nenhum lucro). Se a grana normalmente não cobre os custos, por que a quantidade de feiras só cresce?

“Tem algo social aí muito bonito, o simples fato da galera tá topando sair no zero a zero e ir pra longe, vender e participar”

Rafael Coutinho, da Narval Comix

Rafael Coutinho, fundador da editora Narval Comix, diz que o senso de coletivo fala mais alto nesses eventos: “Tem algo social aí muito bonito, o simples fato da galera tá topando sair no zero a zero e ir pra longe, vender e participar. Participei de uma agora em Brasília, a Feira Dente, que foi isso: gente do Brasil todo, participando por conta própria, por um senso de parceria e fé coletiva no rolê mesmo, não exatamente nas vendas”. Coutinho também acrescenta que há momentos em que o autor se surpreende com o sucesso nas vendas em um evento, e que isso também o leva a continuar participando. “Pra quem já tá a um tempo nisso, existe mesmo a ‘real possibilidade’, saca? Todo mundo que tá a pelo menos dois anos nessa já entrou numa feira e saiu com dois paus no bolso, sem entender como bombou tanto. Pra quem tem coração pra isso, é uma militância, mesmo. Uma causa. Tenho muitos amigos que são ‘da causa indie’. É lindo ver”, acrescenta.

Feira Printa, em Curitiba. Foto: Gosmma

A Selva Press, editora independente de Curitiba, tem uma estratégia que vai além das participações nas feiras: a editora cria eventos pela cidade, como a Feira Printa e a Fluxo Gráfico, e acaba também criando demanda para impressão na própria editora, com a Risograph. “Os eventos demandam uma certa energia nossa, só que conta como trabalho, conta como Selva, porque é, ás vezes, o motivo pelo qual as pessoas produzem no mês”, comenta Estelle Flores, uma das sócias da Selva. Estelle afirma que em Curitiba já acontece pelo menos uma feira mensal. A editora conta que apesar de ter havido queda nas vendas em 2015, os eventos são momentos únicos do encontro entre autor e público: ” É o encontro da pessoa que quer mostrar o trabalho com a pessoa que quer ver coisas legais. Dá oportunidade pro artista e pro público”.

” É o encontro da pessoa que quer mostrar o trabalho com a pessoa que quer ver coisas legais. Dá oportunidade pro artista e pro público”

Estelle Flores, da Selva Press

Ainda nessa conversa da relação vendas, parcerias, coletividade, me perguntei o que essas pessoas, que vão nos eventos tanto como expositores quanto como consumidores, fazem quando estão apenas como consumidores nas feiras. Que tipo de perfil tem o visitante da feira (em especial quando ele é muitas vezes expositor em outros eventos)? Em um empate, 7,9% dos entrevistados afirmaram quase nunca levar grana para comprar publicações, mas ir aos eventos para conhecer, e outros 7,9% afirmaram ir aos eventos para ver os amigos. Já a maior parte das pessoas que responderam ao questionário (47,4%) disseram “dar uma olhada no que está sendo produzido e, às vezes, comprar”, enquanto o segundo maior volume de pessoas (36,8%) afirmou já levar dinheiro para adquirir publicações.

Primeira Feira de Publicações Independentes de Salvador / Foto: Alex Oliveira

As mais pedidas — Apesar do crescimento do número de feiras, ainda há uma concentração de eventos no tradicional eixo Rio-São Paulo. 47,4% das pessoas entrevistadas afirmaram que a maior parte dos eventos que participam está em uma das duas cidades. Já 17,1% afirmam participar de eventos em sua maioria no Nordeste, enquanto 14.3% disseram estar mais presentes em eventos no Sul do país. No entanto, 25,7% das pessoas afirmaram que participam de eventos que não estão dentro de nenhum desses eixos (um bom exemplo é a própria Feira Dente, de Brasília).

Entre as feiras mais populares estão, apontadas por quase todos os entrevistados, a Feira Plana, de São Paulo, o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), em Belo Horizonte, Comic Con Experience(CCXP), Ugra Zine Fest e a Feira Tijuana de Arte Impressa, também de São Paulo, além do GibiCon, em Curitiba, e da Feira Pão de Forma, no Rio de Janeiro. Entre outras feiras e eventos citados estão: Ladys Comics, Faísca, Virada Cultural, Feira Piranha, Parada Gráfica, Fest Comix e a Feira de Publicação Independente de Salvador.

“Pra quem tem coração pra isso, é uma militância, mesmo. Uma causa. Tenho muitos amigos que são ‘da causa indie’. É lindo ver”

Rafael Coutinho, da Narval Comix

A Feira Plana, mais citada, é a atual querida de quem produz publicações independentes, e além de tudo, uma das mais movimentadas. Em 2015 foram cerca de nove mil visitantes e 120 expositores no Museu de Imagem e Som, em São Paulo. Para 2016, a Plana também criou um projeto de residência, com apoio da Cosac Naify, Meli-Melo Press e a gráfica Ipsis. Na residência, três projetos de publicação independente poderão ser produzidos com acesso às dependências da Cosac Naify, da Meli-Melo e da Ipsis, e ainda também financiados para lançamento na quarta edição da Feira, que acontece em janeiro. A Plana ainda não abriu as inscrições para a residência, e sua seleção de recebimento de trabalhos para a Feira de 2016 abre em outubro.

Este ano vou, pela primeira vez, para o FIQ. Não sei como será, e depois de ler e ouvir tanta gente, também não sei o que esperar. Mas acho que vou fazer como o Coutinho mesmo me disse: com a fé coletiva — e com aquela ideia de que vai ser, no mínimo, uma experiência sem igual.

texto originalmente publicado em 2015.

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