Nada a Dizer

Eder Alex
Café Com Traça
Published in
2 min readMay 25, 2015

(Elvira Vigna)

Traição é foda, pois para além do jogo de palavras, dos alívios e fluídos imediatos ou da agonia de se ver inserido na obviedade ridícula de um enredo de novela mexicana, há o impacto mais evidente: alguém sofre. Alguém sofre pra caralho.

Nada a Dizer”, de Elvira Vigna, é sobre esse alguém.

A protagonista, uma mulher de meia idade, depara-se com uma situação até então impensada, ainda mais a essa altura da vida: Paulo, o seu marido, alguém em quem ela sempre confiou, está lhe traindo com uma mulher 20 anos mais nova. A partir daí ela passa a reconstruir cada detalhe de seu declínio pessoal, para que através da linguagem seja possível significar o seu sofrimento.

É mais sobre cravar as unhas numa ferida, do que sobre sarar e seguir em frente.

Os personagens do livro trabalham com tradução, então o olhar minucioso da narradora nos faz pensar que ela está tentando traduzir suas memórias, através de uma sintaxe cheia de lâminas, para que mundo faça algum sentido sob sua nova perspectiva, sua nova linguagem. Ela é forte (seja lá o que isso signifique) e possui um humor irônico, corrosivo, mas não está imune à fragilidade, já que suas convicções agora são só cacos no chão de um apartamento pequeno.

Se a primeira parte do livro nos coloca a par de todos os eventos que a levaram à atual situação, o restante é uma reflexão aprofundada e dolorida sobre o que restou dela a partir do momento em que não mais se reconhecia. “Ver não é entender. É só parecido”, diz a narradora que começa a vasculhar e a repetir todos os detalhes sórdidos e as miudezas da vida do marido, na esperança de que neste ciclo, meio que um eterno retorno do Nietzsche, sua narrativa ganhe alguma clareza. E aí ela sente, se ressente, remói a própria carne para enfim se entender.

Enquanto “Divórcio”, do Ricardo Lísias, outro livro recente a tratar de assunto semelhante, mostra a falência conjugal através de uma perspectiva que acaba por escrotizar a figura “traidora”, Elvira Vigna segue outro caminho e vira sua câmera para focalizar a pessoa traída. Quando a existência é sedimentada pela relação com o outro, quando o seu eu é constituído por esse outro, as rachaduras que surgem neste amor aos poucos ganham relevo e anunciam um inevitável desmoronamento. Mas apesar disso, nem sempre dá tempo de sair do prédio.

Nota: 4/5

Título: Nada a Dizer
Autor: Elvira Vigna

Editora: Companhia das Letras

Ano: 2010
Número de Páginas:166

Originally published at cafecomtraca.blogspot.com.br.

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