O Conto de Fadas de Quentin Tarantino

Caio Teixeira
Cinema Livre
Published in
5 min readAug 19, 2019

Era Uma Vez Em… Hollywood não só é uma carta de amor de Tarantino ao cinema como também é o filme que o diretor usou para dar ao cinema tudo aquilo que queria. (este texto contém spoilers do filme!)

Quentin Tarantino construiu, em mais de 25 anos de indústria, uma das mais sólidas carreiras como diretor de cinema. Foram 8 filmes de sua autoria, e, tendo sucesso de público e crítica em todas, aproveitou a oportunidade para criar uma obra-prima e fazer diversas experimentações em Era Uma Vez em Hollywood, seu 9º filme.

O título do filme já nos dá duas informações importantes. Primeiramente, o trecho “Era Uma Vez em” remete às obras de Sergio Leone, famoso cineasta italiano conhecido principalmente por The Good, The Bad and The Ugly (1966) e Once Upon a Time in the West (1968) que claro são referências para este filme. Por outro lado, o nome do 9º filme de Tarantino está nos mostrando que se trata um conto de fadas pelo uso da expressão “Once Upon A Time”. Mas um conto de fadas sobre o que?

Inicialmente o filme nos apresenta a dois personagens: Rick Dalton e Cliff Booth. Dalton (Leonardo DiCaprio) é um famoso ator que já viveu seus tempos áureos que vê sua carreira desmoronando e Booth (Brad Pitt) é seu dublê e faz-tudo. O mais fantástico foi a decisão de usar o Brad Pitt como o dublê e não o famoso ator, pois isso cria um humor através de contraste visto que Pitt é uma grande estrela de Hollywood atualmente.

Mas o conto de fadas é sobre a história de Sharon Tate (Margot Robbie).

Sharon Tate realmente existiu. Atriz norte-americana, casada com o diretor de cinema Roman Polanski e nomeada como uma das atrizes mais promissoras pela imprensa um ano antes de sua morte.

Tate foi brutalmente assassinada em 9 de agosto de 1969 enquanto estava grávida de 8 meses. Os responsáveis pela sua morte são parte da família Manson chefiada por Charles Manson, neo-nazista que morreu em prisão perpétua em 2017.

Quando Tarantino anunciou que seu filme trataria deste assunto, uma grande expectativa e receio tomou conta do público e da crítica sobre como o cineasta ia tratar sobre este caso. E ele não decepcionou.

Todos os momentos de Era Uma Vez em Hollywood em que Sharon Tate aparece, ela é retratada de forma angelical e pura (podemos até abstrair para uma visão da personagem como vítima), com alguns toques de realismo como o ronco de seu sono e seus pés sujos. Sua cena mais bonita (e talvez de toda a filmografia de Tarantino) é onde a personagem interpretada por Margot Robbie assiste à seu próprio filme no cinema e absorve as reações das pessoas que estão assistindo na sala. É algo que chega a ser extremamente comovente, pois estamos assistindo à verdadeira Sharon Tate junto com Margot Robbie e reagindo junto a ela, mesmo sabendo de seu triste final. É uma homenagem muito bonita e de muito respeito à história de Tate.

Vale lembrar que este filme é um dos menos violentos da filmografia do Tarantino, fazendo com que o público vá criando muita expectativa, durante 2h20min de quando vai começar a violência e quão característica ela será. Essa expectativa vai crescendo cada vez mais, alimentando a imaginação do espectador de como o diretor vai retratar a morte de Sharon Tate, e com que sensibilidade ele a tratará. Afinal, foi uma das histórias mais tristes que Hollywood já presenciou.

Mas temos a confirmação de que estamos assistindo a uma fantasia ou um conto de fadas nos últimos 20 minutos de filme. Tarantino volta a brincar com a História da mesma forma que fez em Bastardos Inglórios (2009). Se em Bastardos Inglórios, todos os nazistas, incluindo Hitler, morressem queimados dentro de um cinema? E se em Era Uma Vez em Hollywood, os assassinos entrassem na casa errada em vez da casa de Sharon Tate?

Foi o que Quentin Tarantino fez. Tratou os assassinos hippies como figuras a serem ridicularizadas, lhes deu um final bem “tarantinesco”, muito recompensador e saciando a vontade do público de assistir à violência a esses personagens.

Esse final foi bastante perfeito no sentido que sua decisão preservou a memória de Sharon Tate mantendo-a viva, demonstrando muito respeito à história de Hollywood e da atriz. Porém, a música final traz muita melancolia quando Tate convida Rick Dalton para entrar em sua casa após os acontecimentos finais do filme. Ao mesmo tempo que é um final feliz para a personagem, a música nos faz lembrar do conto de fadas que foi prometido, e que essa história, infelizmente, não é verdade. No final, somos largados à imaginar como seria caso Sharon Tate ainda estivesse viva e que rumos Hollywood teria tomado caso os assassinatos da família Manson não tivessem acontecido.

Era Uma Vez em Hollywood é uma experiência de volta a 1969 com personagens carismáticos e marcantes, diálogos subversivos e muito humorados, e um filme que merece ser assistido no cinema. Vale o ingresso!

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