Ressignificando Masculinidades: chorar para não adoecer

Matheus Moreira
Not So Basic
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4 min readMay 8, 2019

Há um mês um grupo de homens começou a se reunir para discutir como nossa masculinidade é tóxica para mulheres, em primeiro lugar, para a sociedade, em segundo, e para nós mesmos, em terceiro.

Primeiro encontro do grupo “Ressignificando Masculinidades”, em São Paulo

O segundo encontro desse grupo tinha como tema o choro. Parece pouca coisa, visto que há tanta coisa para se mudar no mundo, mas é importante refletir sobre o papel do não-choro do homem no machismo, misoginia e na violência contra a mulher. Não estou aqui para explicar isso, conheço algumas dezenas de mulheres que podem fazê-lo muito melhor do que eu e certamente há outras centenas que também podem.

Escrevo sobre a parte que nos cabe, enquanto homens, na luta pela equidade de gênero. O foco deste texto é a transformação da masculinidade tóxica em saudável para o benefício do próprio homem visto que para mudarmos o mundo precisamos mudar, primeiro, a nós mesmos. Vamos por partes e sem pressa.

O que acontece quando um homem não chora?

É muito comum que homens evitem chorar. O choro masculino é compreendido pelos outros apenas em casos de extrema felicidade. A dor do homem deve ser guardada a sete chaves dentro de si. Um homem que chora de dor ou tristeza não têm, segundo a construção social do mundo que vivemos, força suficiente para prover para os seus e vencer suas lutas diárias.

Quando deixamos de chorar estamos suprimindo sentimentos de dor, tristeza, raiva e frustração. Todos esses sentimentos são inerentes aos seres humanos (salvo em condições psicológicas e psiquiátricas que interferem na forma como processamos as sensações todas).

Reprimir sentimentos pode provocar mais sofrimento. Sofrer calado é doloroso. E deste problema do âmbito pessoal nasce um problema social: a violência. Mais especificamente a de gênero, mas vamos focar apenas na violência, porque estamos tentando ajudar homens a se ajudarem para então serem bons homens que não atrapalham mulheres (porque as mulheres não precisam de ajuda, precisam que não dificultemos suas vidas).

Voltando. A violência é uma válvula de escape para sentimentos reprimidos. Tomemos situações comuns entre homens como socar uma parede por sentir-se frustrado, devolver o empurrão durante um jogo (no geral de futebol e outros com contato físico), gritar… A violência, neste caso, funciona como uma explosão de hormônios que ajudam a aliviar a tensão.

O problema é que essa válvula de escape gera consequências. Algumas delas definitivas.

O exemplo mais triste dessa situação é o número de feminicidios registrados anualmente. Além do número de homens aparentemente saudáveis que morrem por infartos. Ou a quantidade de suicídios entre homens jovens. As estatísticas de mortes de homens em brigas de trânsito, de bar, entre vizinhos, entre familiares.

Pensando nisso, existe uma outra válvula de escape que também funciona como uma explosão de hormônios que ajuda esvaziar o copo antes que ele transborde e alague tudo. O choro.

Segundo encontro do grupo “Ressignificando Masculinidades” no Centro Cultural São Paulo, na Vergueiro

Por que chorar faz bem?

Antes do nosso gênero, somos seres humanos com uma composição física bastante similar. Uma das características que assemelham homens a mulheres é a composição do nosso cérebro.

Chorar ativa neurotransmissores do encéfalo (centro do nosso sistema nervoso cerebral) responsáveis pela liberação de uma composição química analgésica muito semelhante a morfina. Em outra palavras, chorar pode ser anestesiante e aliviar a dor.

Você deve estar se perguntando: mas estamos falando, também, de dor emocional, onde o choro se encaixa nessa história?

O sofrimento emocional está em nossa cabeça. A forma como vemos o mundo, os nossos desejos, as expectativas e frustrações. Quando estamos tensos podemos ficar mais propensos a tomar decisões sem levar em consideração fatores importantes.

Minha psicóloga me ensinou, há três anos, quando comecei a tratar a minha depressão, que ao respirar fundo por alguns segundos antes de tomar uma decisão ou agir promovemos maior oxigenação do cérebro e, assim, somos capazes de tomar melhores decisões com base nos fatos e não em nossas paranoias, medos e tristezas.

Chorar é respirar fundo quando tudo está errado, quando algo está errado ou, simplesmente, quando não compreendemos e não sabemos como por para fora a angústia.

Qual a relação entre chorar e a masculinidade saudável?

Quando um homem se permite chorar. Quando ele luta contra o medo ou vergonha de ser associado a uma pessoa fraca, “mole” ou supostamente menos homem que os demais.

Quando homens se permitem sentir e serem honestos sobre o que sentem, todo mundo ganha, inclusive as mulheres.

Um homem que põe seus sentimentos para fora de forma não violenta ajuda a mitigar a violência emocional e física contra a mulher. Em 2010, de acordo com informações do Ministério Público de São Paulo, no âmbito do projeto Tempo de Despertar, homens condenados por violência contra mulher que participaram das discussões sobre masculinidade promovidas pelo projeto foram capazes de diminuir de 65% para 2% o índice de reincidência da violência contra mulher.

Discutir novas formas de ser homem descartando os clichês abusivos de “homem não chora”, “se apanhar na escola apanhará em casa também”, “engole o choro que não resolve nada”, são formas de combater a construção social do que é ser homem, inclusive para aceitar que alguns homens nasceram em corpos de mulheres e tudo bem.

Chorar é empático. Quantos de nós somos capazes de ver alguém chorando e ignorar? A empatia é uma das muitas chaves para um mundo menos violento, mais sincero e com menos julgamento.

Você, homem, permita-se chorar. Está tudo bem.

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Matheus Moreira
Not So Basic

Repórter de Cidades na Folha de S. Paulo, 24 anos.