Argumentação empática: um caminho para debater assuntos difíceis de forma eficiente

Pedro Drable
Caixa de Nada
Published in
5 min readMar 13, 2019

(Credito da imagem: instagram @umcartao)

Você já deve ter lido um tanto de textos sobre como as redes sociais criam bolhas de reverberação, fazendo com que a gente tenha impressões bem distorcidas sobre as opiniões das pessoas ao nosso redor. A aparência é de que muito mais gente pensa, fala e se comporta como a gente do que realmente acontece.

Um traço adicional desse fenômeno tem me chamado atenção ultimamente: a deterioração da capacidade de falar, ouvir e debater com alguém que pensa diferente.

Uma frase famosa (que não, não foi dita por Aristóteles) resume a causa disso: somos o que fazemos repetidamente. As redes sociais tem nos treinado a conseguir a aprovação em forma de like das nossas bolhas sociais, formatando nosso discurso para criar ganchos de confirmação, em vez de promover questionamentos e mudanças mentais. Com o tempo e a repetição, isso vai minando a nossa capacidade de formular argumentos que façam alguma diferença nas cabeça de quem pensa de outro jeito. Estamos ficando tão proficientes em "jogar pra torcida" que não sabemos mais fazer outra coisa. E eu não sou diferente: também me vejo afetado pelos mesmos mecanismos que viciam a gente nas pequenas descargas de dopamina de cada curtida. Só que esse cenário está ficando perigosamente divisivo, inviabilizando diálogos importantes sobre diversos assuntos.

Por isso tenho lido e falado com alguma frequência sobre conceitos como comunicação não violenta, efeito culatra e, por fim, argumentação empática. E se possível, queria falar disso com você também.

Argumentação Empática é a capacidade de falar com alguém de forma clara, consciente e efetiva sobre um ponto de discordância, partindo de um lugar de empatia. Serve tanto para falar de trabalho com aquele cliente complicado quanto pra falar de política no almoço em família sem estragar o domingo.

A ideia aqui é atingir três objetivos, em escalas crescentes de dificuldade:

1 - Criar uma conexão empática para ser ouvido

Eu parto do princípio de que seres humanos são animais emocionais dotados de razão, e não o inverso. Ou ao menos é isso que uma série de estudos de psicologia e neurociência indicam. Então, por mais que você tenha todos os argumentos lógicos enfileirados para apresentar ao outro lado da mesa, é necessário começar construindo uma ponte de empatia. Se você não criar um ponto de contato, o outro lado simplesmente vai ignorar toda e qualquer argumentação, se agarrando com ainda mais força a tudo que já acredita.

Geralmente, a melhor forma de fazer isso é tentar encontrar um ponto que você entenda e concorde na posição do outro, por mais que a posição do outro seja contrária à sua. Mas precisa ser uma experiência de empatia real. Exemplo: digamos que você seja contra a liberação do porte de armas e esteja conversando com alguém a favor. Pra criar uma conexão empática, você pode entrar no assunto com algo como "Eu entendo que você se sinta inseguro. A cidade em que a gente vive é muito violenta. Eu também me sinto inseguro.". Isso desarma (sem intenção de trocadilho) as primeiras defesas pro seu processo argumentativo. Se você não consegue fazer nem isso, esquece essa conversa e vai fazer outra coisa. Caso consiga, é um passo fundamental pra próxima etapa.

2 - Estabelecer seus pontos evitando ao máximo o efeito culatra

Se você conseguiu criar uma conexão empática, parabéns! Agora vem a parte difícil: evitar o "backfire effect" ou, em bom português, o efeito culatra.

Acontece que a maioria das pessoas tem o cérebro programado para interpretar o desconforto mental de ter uma crença questionada como uma ameaça física. E quando isso acontece, seu cérebro pode iniciar uma "reação de lutar ou fugir", preparando seu corpo pra sair da situação de risco de um jeito ou de outro. O que significa que quanto mais incisivamente (e agressivamente) você expuser seus argumentos, mais difícil vai ser mudar a cabeça da outra pessoa, cada vez mais empenhada em se defender da "agressão". Isso é o efeito culatra.

Como cada pessoa e cada crença são afetadas por esse efeito de maneira diferente, não existe receita perfeita. A ideia aqui é ser consciente da "temperatura" da conversa, engajando e desengajando dos vários tópicos de forma a tentar colocar seus argumentos sem criar um tom agressivo pra discussão. E não é porque você é bacana e quer ver todo mundo sorrindo: é pra ter alguma chance de conquistar o terceiro ponto.

3 - Plantar a semente para uma eventual mudança mental

O terceiro e último ponto do mapa da argumentação empática é simples: não tente vencer a discussão. Ou pelo menos, não naquele momento.

Na maioria das vezes, esse processo argumentativo se torna necessário quando você está tentando promover uma mudança de pensamento em alguém. Mas você nunca vai conseguir forçar essa mudança, em especial se a crença for ligada diretamente ao senso de identidade da pessoa. Convencer um senhor das antigas de que parte do que ele entende como "coisa de homem" é desdobramento de um universo de comportamentos extremamente nocivos pra sociedade é muito, muito difícil. Então não tenha esperanças de levar a conversa até o "você está certo, eu preciso aprender o que é masculinidade tóxica". Tal qual o Leonardo DiCaprio em A Origem, o plano é plantar uma ideia e deixar o cérebro hospedeiro tirar suas próprias conclusões. Seja claro, divida informações, construa bons argumentos, exemplifique com cenários e lembre que isso tudo pode catalizar um processo de mudança, mas não garantir. Você nunca vai ter controle sobre o que passa na cabeça do outro. Você só pode fazer o seu melhor e esperar até que o outro ande o resto do caminho.

Pra concluir meu argumento, um detalhe importante: nem tudo pode ser resolvido dessa maneira. Se eu encontrar uma pessoa espancando um cachorro na rua, meu primeiro argumento provavelmente vai ser uma voadora. Certas situações exigem sim uma postura imediata, incisiva e, às vezes, agressiva. Interromper uma agressão ou abuso. Protestar contra um caso absurdo. Se negar a cumprir uma ordem que fere o seu senso de ética. Nada disso pede uma abordagem indireta, e sim uma ação imediata.

Mas há muitos assuntos que podem e devem ser discutidos de maneira mais empática, e muitas pessoas nas nossas vidas que merecem ser ouvidas e compreendidas, antes que a gente tente despejar informação sem contexto nelas. Seres humanos são complexos, por mais "simples" que a racionalização de um pensamento ou comportamento possa parecer. Nessa complexidade estão as bases pra restabelecer o diálogo e, quem sabe, alguns pontos de alavanca para promover uma mudança de pensamento que você ache relevante.

Em um mundo tão polarizado quanto o que a gente vive hoje, acho que a argumentação empática é uma forma de discurso importante e que precisa ser mais praticada.

O que você acha?

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Pedro Drable
Caixa de Nada

Escrevo sobre coisas que eu entendo e não entendo, na maioria das vezes tentando me entender.