Contar quantos livros você lê por mês está destruindo sua leitura

Pedro Drable
Caixa de Nada
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4 min readFeb 2, 2019

“O que não pode ser medido, não pode ser melhorado.”

Esse mantra da metrificação absoluta é uma boa forma de resumir um hábito curioso da nossa geração: usar parâmetros numéricos pra tudo.

Tudo bem: dependendo dos seus objetivos, esses sistemas de medição são até bem úteis. Por exemplo: a galera da corrida se beneficia medindo performance e tentando quantificar pequenos incrementos em um processo de treinamento de longo prazo. Mas quando essa ideia de que tudo precisa ser quantitativo bate no seu hábito de leitura… sei não.

Ultimamente, tenho visto cada vez mais gente recomendando apps de “leitura dinâmica”, que literalmente piscam palavras na sua cara e permitem ajustar o “WPM”, ou “palavra por minuto”, para leituras cada vez mais rápidas.

Outro hábito estranho cada vez mais comum é o de contabilizar a leitura em um intervalo de tempo, do tipo “vou ler 3 livros por mês esse ano.” Também vejo com recorrência pessoas que dizem ter “lido o livro”, mas que viram o resumo no YouTube e acreditam cegamente que é a mesma experiência.

Só que tem um problema grave nisso: medir cada aspecto quantitativo da sua leitura faz com que você tente ser cada vez melhor nas coisas erradas. Quero ler mais páginas. Aumentar minha velocidade de palavras por minuto. Chegar até setembro com mais 24 livros na conta. Tudo bem, mas e aí? Qual desses livros mudou sua vida? Que passagem deles te fez chorar? Que frases você ficou com vontade de tatuar na testa?

Toda essa mania por metrificação e eficiência remove da experiência o que, na minha opinião, é a parte mais legal da leitura. Esses métodos, truques e softwares encaram livros como blocos de informação que precisam ser processados e absorvidos. Quanto mais rápido e eficiente o sistema de leitura (seus olhos), maior a quantidade de informação que entra no HD. Mas ao mesmo tempo em que ganhamos velocidade na aquisição de dados, perdemos no que eu chamo de “oportunidade de pensamento lateral”.

Sabe quando você está lendo um livro e fala “meu deus, aconteceu uma coisa parecida comigo essa semana”? Ou quando percebe uma ligação inesperada entre um texto de ficção e um autor de filosofia que você gosta? Ou mesmo quando simplesmente para e divaga sobre uma alternativa de caminho pra história que está se desenrolando na página? Pensa em todas as conexões e correlações que você faz entre o livro e a vida durante o processo de leitura: isso tudo é pensamento lateral. Quando isso acontece, o livro deixa de ser um bloco de informação e se torna um meio de transporte, levando o seu cérebro para um lugar inexplorado. Mas isso só acontece se você estiver de fato imerso no livro, e não registrando seu conteúdo como um scanner movido a cafeína.

Quando nos forçamos a usar sistemas de metrificação pra tornar nossa leitura mais eficiente, estamos abrindo mão do gosto de ler e deixar cada parágrafo afetar nossa visão de mundo. Pra que isso aconteça, é preciso dar tempo ao texto. Perder a atenção por alguns segundos. Pensar nas outras coisas que têm tudo a ver com aquela coisa.

Não faz sentido ler Douglas Adams a 400 palavras por segundo se você não tem tempo de parar e rir. É inútil conseguir ler 3 livros por mês se você pula os mais grossos porque vão estragar sua meta. A leitura não deveria ser como um download analógico de informação, mas uma experiência a ser saboreada. Então por que usar número no canto da folha como métrica, se essa é a informação mais inútil que existe na página?

Se é difícil abandonar qualquer medição, segue uma proposta: em vez de eficiência, que tal mirar em constância? Passe meia hora lendo todo dia. Ou leia quatro horas por semana. Ou sei lá, leia sempre o tempo que leva pro metrô ir da sua casa ao seu trabalho. E tente desencanar da quantidade de páginas que você consegue completar, porque algumas frases precisam de mais tempo. Alguns parágrafos vão dar um nó no seu cérebro. Algumas passagens vão te fazer pensar no que você tá fazendo da sua vida. Isso se você estiver escolhendo os livros certos.

Porque se não for pra ter esse tipo de experiência transformadora, sua leitura está sendo uma enorme perda de tempo.

Ainda que você perca tempo de um jeito muito eficiente.

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Pedro Drable
Caixa de Nada

Escrevo sobre coisas que eu entendo e não entendo, na maioria das vezes tentando me entender.