O Efeito Boleadeira

Pedro Drable
Caixa de Nada
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3 min readSep 1, 2019

Você vai conhecer um grupo de pessoas especiais na sua carreira.

É difícil saber de onde essas pessoas virão, ou como o caminho delas vai cruzar com o seu. Mas vai acontecer. E, em uma frase tirada diretamente de comédias românticas, quando acontecer, você simplesmente vai saber.

Essas pessoas são diferentes de amigos. Podem ser amigos, e geralmente são, mas são também outra coisa. Eu tenho amigos incríveis com quem eu não conseguiria trabalhar. Conheço também profissionais fenomenais que, por um motivo ou outro, não são pessoas que eu chamaria de "amigos". E, de qualquer forma, eu estou falando de outro processo.

Talvez a palavra "mentor" tenha um valor similar... mas não. A ideia de mentoria parte de uma relação hierárquica: algo nos contornos de "mestre e aprendiz". E definitivamente não é o caso.

Enfim. Não encontrei um nome pra identificar essas pessoas, mas acho que cheguei em um bom termo para o resultado dessa relação: o "efeito boleadeira".

Uma boleadeira é uma arma de origem indígena usada até hoje na caça e na captura de animais grandes no sul do Brasil. É uma peça de corda de três pontas, com uma pedra ou bola de madeira amarrada em cada ponta. A boleadeira é arremessada girando, o que faz com que ela caia aberta sobre as pernas ou o dorso do animal, enganchando nos membros do bicho e fazendo ele cair.

Durante o voo da boleadeira, cada pedra tem seu próprio "momentum", girando enquanto se mantem ligada às outras pela corda. E é isso que faz a boleadeira viajar. Não existe a pedra "que tá na frente" ou a pedra "que vem depois". Quer dizer, existe, mas é passageiro e desimportante. O que realmente conta é o movimento do conjunto, carregado pela força das partes.

Outra coisa interessante sobre boleadeiras é que uma pedra dessas sozinha dificilmente derrubaria um animal de grande porte. É a conexão entre elas que faz isso. A corda. Uma pedra não consegue ser efetiva em alvos tão ambiciosos sem as outras.

Falo de "efeito boleadeira" porque senti algumas vezes na carreira uma certa "gravidade profissional" me puxando pra frente. Foram pessoas que de alguma forma passaram e me arrastaram, e que de alguma forma eu arrastei também, e até hoje seguimos por caminhos que talvez não tivessem surgido sem esses puxões. Pessoas que me desafiaram, me aconselharam, me ensinaram, mas que também me pediram ajuda, competiram comigo, me indicaram, pessoas que eu contratei e por quem fui contratado, pessoas de quem eu herdei vagas ou pra quem deixei vagas... são relações tão diversas que fica difícil classificar exatamente a força resultante disso tudo.

Todo mundo que passa pela nossa vida tem o potencial de causar um efeito duradouro na gente. Mas quando você olha pro caminho que percorreu até agora, consegue identificar essas pessoas? As do efeito boleadeira?

Se não, talvez você esteja se dando crédito demais pelos seus sucessos. Vale a pena revisitar a sua história e verificar se você realmente chegou sozinho até aqui.

Se consegue, não precisa se agarrar pra sempre nessas pessoas e fazer o possível para trabalhar com elas novamente. A referência a comédias românticas já passou, vocês não são almas gêmeas profissionais. Mas serão sempre fundamentais na história um do outro. Então seja grato pela sorte de ter experimentado alguns desses encontros durante a sua trajetória.

Eu tive o privilégio de encontrar algumas dessas pessoas pelo caminho, e escrevi esse texto pensando em todas elas. Vocês sabem quem são. Meu eterno obrigado.

Em homenagem à boleadeira, mande esse texto para três pessoas que tiveram esse efeito em você, e agradeça por tudo que elas fizeram.

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Pedro Drable
Caixa de Nada

Escrevo sobre coisas que eu entendo e não entendo, na maioria das vezes tentando me entender.