Pedro Drable
Caixa de Nada
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4 min readJan 20, 2019

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O que o Jorge Vercillo fazendo beatbox de cócoras num hoverboard me ensinou sobre sucesso.

Eu fui num show do Jorge Vercillo nesse fim de semana. Não que eu precise me justificar por isso, mas o fato é que minha esposa gosta das músicas dele e eu gosto de ver a minha esposa feliz. Portanto, fui de bom grado passar cerca de 2 horas ouvindo falsetes e canções com acordes complicados que não são exatamente o meu estilo.

No entanto, é impossível conviver tão de perto com alguém que gosta do Jorge Vercillo sem ser igualmente exposto a todo mundo que ama odiar o Jorge Vercillo. Como uma espécie de Romero Britto sonoro, o cantor é alvo fácil pra humoristas, eruditos musicais e todo mundo que vai na onda, tendo seu trabalho taxado de "insuportável" pra baixo, sempre num tom de escárnio misturado com piada.

Ainda assim, numa noite quente de um sábado qualquer no Méier, sobe ao palco Jorge Vercillo, ovacionado pelo seu público, deslizando em um hoverboard, com a cabeça coberta por um casaco/capa/pano marrom que só um jedi poderia usar de maneira inconspícua.

Vercillo estava obviamente se divertindo e pareceu fazê-lo do início ao fim do show. Ele inclusive elogiou o palco do Imperator por ser "lisinho, perfeito pra usar o brinquedo novo". E eu, que já estava lá, resolvi absorver o que pudesse da sua performance.

Antes de mais nada, é importante dizer: Vercillo canta e toca bem. Sua banda é muito boa, e as músicas (quer você goste ou não) estavam sendo bastante bem executadas. No entanto o público reagia de verdade à felicidade de Jorge, que dançava, brincava, tirava selfies com fãs emocionados e notava cada comentário engraçadinho da platéia, sempre com um sorriso no rosto.

E então aconteceu. No ápice da já icônica Homem-Aranha, as luzes mudam de cor, e Jorge Vercillo fica de cócoras no seu hoverboard, deslizando lentamente pra frente enquanto executa um beatbox improvisado.

Demorei um pouco pra juntar todos os elementos em um pensamento coeso.

Jorge Vercillo. Hoverboard. Cócoras. Homem-Aranha. Beatbox. Delírio da plateia.

Eu filmei a cena porque precisava pensar sobre isso. Confesso que o meu primeiro impulso foi postar uma piada no Instagram ou algo que o valha, mas eu apenas reproduziria o velho comportamento de me reafirmar como parte de um grupo apontando pro outro. Alguma coisa segurou meu ímpeto, e eu só fui entender revendo o vídeo.

O que eu notei foi isso aqui.

Eu também trabalho no ramo de criatividade, seja como roteirista, escritor ou publicitário. E por mais que eu tenha minha opinião sobre o tipo de música que eu escuto no Spotify, sempre vou respeitar um artista e o seu ofício. Agora imagina ser o artista que é alvo padrão de todo mundo, punchline dos Brunos Mazzeos de toda uma geração, e continuar sendo livre pra fazer o que quiser no palco?

Talvez tenha sido a posição no hoverboard, mas o que eu notei é que o Jorge Vercillo está cagando pra pretensão de ser uma unanimidade. Durante o show, ele está no domínio do seu espaço criativo, e vai agir como acha que deve, por si e pelo público que impulsionou o seu trabalho até esse momento. Isso é o suficiente. E se eu não sou o público, paciência. As outras mil pessoas que estavam lá adoraram, e aplaudiram efusivamente todas as brincadeiras e dancinhas que facilmente virariam piada no twitter.

O que eu vi foi o show de um músico que parece ser muito bem sucedido nos seus próprios termos. Um pai fazendo um som com o filho e comemorando o aniversário do amigo tecladista enquanto divertia centenas de pessoas. Um criador que encontrou liberdade para explorar sua performance da maneira que bem entender e lotar uma casa de shows importante por três noites seguidas, ainda que muita gente faça questão de torcer o nariz pras suas criações.

E eu repensei a forma que eu me entendo como escritor. As vezes que eu fiquei sentido com a reação do público a um roteiro ou texto. As coisas que eu realmente preciso valorizar no meu trajeto como alguém que desenvolve um trabalho criativo.

Eu aprendi com o show do Jorge Vercillo que eu tenho mais controle sobre os parâmetros do meu sucesso do que eu penso. E que se eu sempre tentar mirar numa validação externa completa para o que eu quero fazer, provavelmente eu nunca vou me sentir realizado. Porque você não controla o outro. O único poder que você tem no mundo é sobre si mesmo.

Suas músicas continuam não sendo a minha primeira escolha pra estourar o volume no fone de ouvido, mas esse último show do Jorge Vercillo me fez pensar em coisas bem importantes para os meus projetos futuros. E por isso, eu sou extremamente grato por essa oportunidade. Não fosse o palco lisinho do Imperator, talvez meu pensamento não tivesse chegado tão longe.

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Pedro Drable
Caixa de Nada

Escrevo sobre coisas que eu entendo e não entendo, na maioria das vezes tentando me entender.