Sobre gestão criativa e lentes fotográficas

Pedro Drable
Caixa de Nada
Published in
5 min readDec 30, 2016

--

Eu já falei algumas vezes sobre o tanto que estou aprendendo no papel de gestor de uma equipe criativa. Ainda que com pouco tempo de cargo, venho percebendo coisas interessantes e descobrindo aspectos da função que não eram óbvios pra mim, e talvez não sejam pra você. Talvez esses pensamentos ajudem você a gerir sua própria carreira, ou a entender melhor o que passa na cabeça do seu chefe. Ou não, talvez seja um monte de baboseira sem função. Então vem comigo para mais uma sessão de abobrinha profissional. Hoje, vamos falar de lentes fotográficas e como elas influenciam o meu método de avaliação de trabalhos criativos.

Pra começar, eu parto de dois princípios:

1: tudo pode ser melhor do que é
2: não dá pra avaliar algo sem pensar no contexto em que aquilo se insere

Dito isso, um dos métodos que eu uso pra ser mais eficiente na hora de avaliar um trabalho é a escolha da lente certa, como faz um fotógrafo. Lentes diferentes resultam em fotos diferentes porque elas fazem a luz se comportar de maneira diferente, fazendo o filme fotográfico “enxergar” outras coisas. É o que eu tento fazer com o meu cérebro.

Mesmo objeto fotografado com várias lentes. (Esse gif chega a dar vertigem.)

Às vezes, eu olho o trabalho com uma lente só e me sinto confortável pra falar o que penso, geralmente em projetos simples ou para clientes que já conheço mais a fundo. Outras, eu preciso de olhares mais variados, e me forço a ver a mesma peça várias vezes, pra dar tempo de adaptar o olho a essas necessidades. Parece coisa de maluco, mas não é.

Deixa eu explicar a partir de cada lente:

A lente padrão: 50mm

Lentes 50mm têm um campo de visão parecido com o do ser humano. Tem quem pense que isso faz as fotos ficarem mais “humanas” também.

Em condições normais, sempre que eu vou aprovar alguma coisa, começo olhando para o trabalho da mesma distância do consumidor. Tento me colocar no lugar do público-alvo e pensar: o que eu estou absorvendo disso? Esse conteúdo me interessa? Eu achei isso bonito? Me tocou de alguma maneira? Esse primeiro ponto de vista é fundamental pra que eu tente explorar como cada peça vai ser recebida por quem a gente planeja impactar. Mas não é o único olhar que eu preciso na minha função.

A lente do cliente: teleobjetiva

Teles são ideais para fotografar mais de longe, como fotografias de esporte ou de natureza. É um ponto de vista com restrições diferentes, mas algumas coisas só podem ser captadas dessa forma. Especialmente se essas coisas tiverem garras e correrem a 120km/h.

Outro aspecto básico da minha função é observar o conteúdo do ponto de vista de quem está pagando por ele: o famoso “cliente”. Sim, porque até então eu sou um profissional de comunicação, não um artista. Portanto, preciso levar em conta os objetivos de comunicação, os do’s e don’ts da marca e uma série de outros aspectos que não estão no campo de visão do consumidor final do conteúdo. Preciso avaliar o trabalho me distanciando do meu gosto pessoal, para observar se eu acho que o conteúdo está em linha com um contexto maior do que ele. Isso não significa abandonar minhas crenças criativas, mas entender que muitas vezes o que eu gosto ou penso ser melhor não é o que o conteúdo precisa pra funcionar, ou o que a marca precisa para passar sua mensagem da melhor forma.

A lente do criativo: macro

Macro é a lente para olhar tudo no detalhe. Confesso que é a minha lente favorita.

Mas é claro que o “crivo criativo” de quem trabalha com conteúdo precisa entrar na conta. Quando eu olho por essa lente, esqueço um pouco o contexto maior e me foco no que está na minha frente. No caso de um vídeo, meio segundo a mais de uma cena pode determinar um produto melhor ou pior. Em um roteiro, uma fala fora de lugar pode acabar com a história. Quem já me viu aprovando sabe que eu sou bem chato com detalhe quando tenho tempo pra ser, porque faz toda a diferença do mundo. São esses pontos que fazem alguém gostar ou não de um conteúdo, mesmo que não saiba verbalizar o porquê. E é a nossa função olhar tudo bem de perto pra ter certeza de que o conteúdo está tão lapidado quanto ele merece ser.

A lente do gestor: olho de peixe

Olho de peixe: o que está no meio fica um pouquinho deformado, mas dá pra observar muito mais das laterais da cena.

Essa é a última lente que eu comecei a usar, mas uma que descobri ser das mais importantes. A lente olho de peixe deforma um pouco a imagem, mas tem um campo de visão maior do que qualquer outra, fazendo com que você veja o que está nas laterais do trabalho apresentado. Usando essa “lente”, eu tento ver se a minha equipe está feliz com o trabalho que está produzindo, quais são os pontos fortes e fracos de cada pessoa trabalhando comigo, se as pessoas estão estressadas demais, se estão evoluindo, enfim, todas aquelas coisas que não fazem absolutamente nenhuma diferença para ninguém, a não ser o gestor do time. Você não pode chegar para um cliente e dizer que infelizmente o produto não saiu tão bom porque seus funcionários tiveram que virar duas noites seguidas, mas pode (e deve) saber quando alguém está precisando de férias. Eu descobri que cuidar do meu time e do processo é tão importante para o produto final quanto cuidar do trabalho em si, e me forço a observar cada projeto ou peça pra encontrar pistas dessas informações, que raramente são verbalizadas de maneira clara.

As lentes dos outros

Parte da minha filosofia de trabalho é tornar todo mundo no time independente para tomar decisões e pensar por conta própria. Eu não quero clones de mim. Pelo contrário, se fosse para tudo ser feito do meu jeito, eu mesmo faria. O que resultaria em produtos muito mais limitados e em um caso severo de burnout em cerca de 4 meses. Mas uma coisa que eu tento passar pra quem trabalha comigo é o uso desse jogo de lentes. Especialmente para aqueles que também são gestores de alguma forma. Essa relativização do olhar ajuda a entender o trabalho, o processo e as pessoas, facilitando as relações entre equipes e dando a sensação de que existe uma forma “coesa” de avaliar cada trabalho, ainda que no nível pessoal as nossas opiniões variem muito.

E com esse texto, talvez você também mude seu jeito de avaliar o trabalho do seu chefe, do seu time, dos seus fornecedores e, claro, o seu trabalho. É só mudar a lente.

E aí? Você tem alguma lente diferente para compartilhar com a gente?

ps: eu não sou fotógrafo, então, se falei alguma grande besteira sobre fotografia, por favor, me corrija. =)

--

--

Pedro Drable
Caixa de Nada

Escrevo sobre coisas que eu entendo e não entendo, na maioria das vezes tentando me entender.