A fascinante história de “Coraline” — do livro para o filme

O livro é excelente, mas com a adaptação cinematográfica vemos as grandes vantagens de algumas mudanças aqui e ali

Gabriela Prado
caixadesaturno
6 min readJul 13, 2020

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“Coraline” (imagem: divulgação/Universal Pictures)

Quem nunca ouviu/leu/assistiu algum conteúdo sobre a animação infantil macabra “Coraline” provavelmente estava dormindo no tempo, principalmente por ser uma história escrita pelo fenomenal Neil Gaiman, também escritor de “Sandman”, “Os lobos dentro das paredes” e da série da Amazon Prime Video, “Good Omens”.

Ele é renomado e extremamente conhecido por sua forma única de escrever contos e histórias, principalmente as infantis, nas quais ele coloca pitadas de mistério, insanidade e traços hediondos — e a obra em destaque neste texto é o lindo e emocionante “Coraline”, livro publicado em 2002 — em 2003 no Brasil pela Editora Rocco Jovens Leitores — e filme lançado em 2009 — pela Universal Pictures.

Atenção: como o livro existe há quase 18 anos, alguns fatos narrados aqui não podem ser considerados spoilers — então não se sinta desavisade, ok?

A obra cinematográfica de “Coraline”

Trailer de “Coraline” | Vídeo: YouTube

Dirigido por Henry Selick — de “O Estranho Mundo de Jack” e “James e o Pêssego Gigante” — , amigo de Gaiman, o filme de stop-motion baseado no livro tem censura de 10 anos e é bem figurativo quando se trata de estética e representações da história original do livro. Confira o trailer ao lado.

Coraline e seus pais de verdade (imagem: divulgação/Universal Pictures)

O filme conta a história de uma menina de 13 anos, Coraline, que se muda com os pais para uma casa nova. Ela particularmente não gosta da sua nova moradia e tampouco da sua relação apática e um pouco negligente com os seus pais. Como toda criança entrando na fase rebelde da adolescência, ela não gosta muito da vida que tem. Porém, ela descobre uma porta que a leva para a casa dos sonhos, com os pais dos sonhos e com tudo que ela mais quer — atenção, comida e uma vida mais “colorida” — , mas esse paraíso esconde segredos e perigos.

O filme é lindo, é um dos meus favoritos, e mesmo sendo infantil ele dá uns arrepios na espinha, pois como alguns personagens foram feitos especialmente para o filme, eles automaticamente criam uma atmosfera semelhante à do livro, mas com adições interessantes.

Coraline e Wybie (imagem: divulgação/Universal Pictures)

A começar pelo Wybie, o “garoto estranho” sempre acompanhado do gato preto que não é seu… na história do livro ele simplesmente não existe! Parece estranho, eu sei. Quando li “Coraline” — há uns dias, na verdade — eu fiquei surpresa ao perceber que o Wybie nunca existiu na história original, o que faz a obra ficar ainda mais cativante tanto para quem a assiste depois de ler ou antes, como eu fiz.

Além desse detalhe do “elenco”, no filme “Coraline” os detalhes do Palácio Rosa, para onde ela se muda com seus pais, são diferentes também, sendo mais como uma mansão enorme com quartinhos separados, sendo a casa do Senhor Bobinsky e das Senhoritas Spinky e Forcible dois quartos opostos — um como se fosse numa espécie de sótão e outro como se fosse um porão.

CURIOSIDADE: o filme faturou mais de 16 milhões de dólares apenas no fim de semana de estreia, além de ser bem aclamado pela crítica especializada!

A beleza imaginativa do livro

“Coraline”, edição especial pela Editora Intrínseca (foto: Gabriela Prado)

Já no livro, o encantamento com a história é totalmente diferente: é muito especial ler os pensamentos e ações de Coraline e tudo que a cerca tentando separar o que já se sabe da história visual (do filme).

Nas páginas especiais com ilustrações de Chris Riddell — nova edição lançada em maio deste ano pela Editora Intrínseca em maio deste ano — nota-se como a Coraline literária é menos expressiva do que a Coraline cinematográfica, característica que colabora com o enredo da obra original, mais contida em alguns pontos e com detalhes mais sutis e sóbrios — mesmo sendo uma história que Gaiman escreveu especialmente para sua filha.

Bobinsky é apenas Senhor Bobo no livro e ele também tem a meta de fazer seus camundongos aprenderem a dançar e entonar cantigas, assim como a sua versão no outro mundo; como Wybie não existe nesta dimensão de “Coraline”, acompanhamos a garotinha com o gato preto, sem nome, ainda mais sarcástico e seco do que sua versão da tela; e as senhoritas atrizes são muito semelhantes, tanto em suas versões escritas quanto em suas versões do cinema.

Essa discrepância entre as personagens e suas características pode estranhar no começo, mas é essencial para entender que as adaptações para o cinema nunca podem ser cópias das obras originais — e é por isso que são adaptações, pois alteram-se pontos a fim de valorizá-las ou ofertar uma nova forma de apreciá-las.

Todas as cores e formas apresentadas e narradas no livro não são totalmente iguais às mostradas no filme, mas isso gera ainda mais encanto por toda a trama, que se torna cada vez mais macabra conforme se aproxima do desfecho.

A outra mãe e suas representações nas produções

Eu morro de medo da outra mãe de “Coraline” — tanto a do filme quanto a do livro — , mas eu não podia não separar uma parte especial para falar dela.

As outras mães — esq.: filme; e dir.: livro (imagens: divulgação/Universal Pictures/Gabriela Prado)

Bela Dama no filme e Beldam no livro (no original em inglês), a outra mãe é, no filme, fisicamente igual à mãe verdadeira de Coraline, exceto os grandes e pretos botões no lugar dos olhos; e no livro ela não é tão parecida assim, tendo só alguns aspectos semelhantes, sendo mais alta que a mãe de verdade e um cabelo levemente mais longo.

Na primeira edição do livro, a ilustração da outra mãe era uma (não consegui achar uma boa foto na internet) e sua releitura por Riddell é outra, diferenciada e muito bonita: Bela Dama parece séria e elegantemente assustadora, dando calafrios só ao ler seus gestos e atos.

Falando agora sobre sua personalidade, no livro ela é menos melosa e afetuosa, embriagada, desde o início, pela vontade de fazer Coraline ficar no outro mundo para sempre, levando ao ponto agilidade: no livro, muitas coisas acontecem de forma mais direta e breve, sem muita enrolação, o que é bom, mas dá pra sentir falta daquela enroladinha.

E nas partes finais da história, quando Coraline decide confrontar sua outra mãe, vemos que os aspectos do design excêntrico do filme são totalmente alheios à estética literária, com as cores do filme sendo muito mais claras e nítidas daquelas representadas no livro — e quando Coraline encontra as crianças nota-se a diferença dos detalhes, mas isso, de forma alguma, não é um defeito.

A trilha sonora intrínseca de “Coraline”

Música oficial de “Coraline” | Vídeo: Sakura Jurai/YouTube

Eu amo prestar atenção nos efeitos sonoros e nas canções de tudo que eu consumo de entretenimento — e com “Coraline” isso não podia ser diferente, a começar pela música de “abertura do filme” — confira ao lado.

O que eu mais gosto nas adaptações de livros para o cinema é essa chance de colocar músicas e toques singulares para algo tão momentâneo, como uma passagem ou uma expressão facial de um personagem — e em “Coraline” tudo se encaixa muito bem.

As notas sonoras acompanham os passos dos personagens e seus momentos e a aura toda se transforma em algo fenomenal. No YouTube tem um vídeo completo com a trilha sonora toda do filme e você pode conferir aqui — infelizmente no Spotify não há todas as músicas, mas algumas ainda dá pra ouvir por lá também — clica aqui.

No geral, “Coraline” é pura perfeição em história, narrativa, personagens e estética; e quando se assiste e lê essa obra magnífica de Gaiman percebe-se que até as histórias mais — aparentemente — bobas podem assustar quando são conectadas com a realidade da natureza humana.

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