“Midsommar — O mal não espera a noite” (2019)

Em vez das férias tranquilas, um grupo de amigos se depara com rituais “bizarros” de uma adoração pagã

Bruno Oliveira
caixadesaturno
5 min readOct 7, 2020

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Midsommar — O mal não espera a noite

Após vivenciar uma tragédia pessoal, Dani vai com o namorado Christian e um grupo de amigos até a Suécia para participar de um festival local de verão, mas em vez das férias tranquilas com a qual todos sonhavam, o grupo vai se deparar com rituais “bizarros” de uma adoração pagã.

Atenção: este texto contém spoilers de “Midsommar”!

Em uma camada superficial, “Midsommar é o retrato de uma viagem bizarra e trágica por uma comunidade tradicional na Suécia. Afinal, Dani (Florence Pugh) acaba se tornando a única sobrevivente do grupo que a acompanha; o namorado Chris (Jack Reynor) é queimado vivo; Mark (Will Poulter) é transformado num homem de palha; e Josh (William Jackson Harper) chega a ter uma de suas pernas plantadas num vaso — mas, é claro, “Midsommar é bem mais do que uma viagem estranha, violenta e perturbadora.

O resumo de toda a história (o filme está cheio de foreshadowing como este) (imagem: reprodução)

O Midsommar real

O Midsommar é um festival que existe de verdade. Mais do que isso, é feriado nacional na Suécia, comemoração do solstício de verão. Neste festival, as pessoas dançam de forma circular em volta do majstången (mastro de flores e ramos) — cerimônia que também está no filme.

Foto: Dreamstime

Outra cerimônia que aparece no filme é o Ättestupa, uma cerimônia nórdica pré-histórica onde ocorre senicídio, isto é, o suicídio de idosos. Os indivíduos, quando atingem determinada idade naquela sociedade, devem se sacrificar sinalizando o fim de um ciclo e dando oportunidade para novas gerações. No filme, a comunidade une o Ättestupa com o Midsommar.

A visão do indivíduo antes do senicídio (imagem: reprodução)

“Midsommar” e o fim de um relacionamento

O diretor e roteirista do filme, Ari Aster, diz que utilizou o longa-metragem para expressar parte dos sentimentos que ele estava tendo com um término de relacionamento. O principal casal do filme (Dani e Chris) está passando por momentos turbulentos e Dani está em uma situação desfavorável, em que o relacionamento a está consumindo e a destruindo aos poucos.

Símbolos, como a imagem da série de imagens Dinosasshole, indicam o relacionamento tóxico entre os dois desde o começo do filme (imagem: reprodução)

“Eu encontrei uma maneira de unir o filme com a minha separação. Além disso, queria escrever algo do gênero de horror folclórico”, disse o cineasta para o Insider. “Esta foi uma das coisas mais pessoais que eu já escrevi”.

Dani tem em seu vestido a runa R (vide a mão esquerda na imagem abaixo), que indica o início de uma jornada, caminhada — ou melhor: o seu despertar. Já Chris usa a runa da seta (vide a mão direita na imagem abaixo), que mostra a necessidade de sacrifício do homem na sociedade. Com esses simbolismos, o diretor indica o que vai acontecer com cada um dos personagens e como cada um deve encarar a situação.

O significado atribuído às runas (imagem: reprodução)

A história passa a ser, então, o processo de empoderamento de Dani em conseguir superar aquele vínculo negativo e se sentir bem com ela mesma. Na cena final, Dani sorri com o destino de Chris. O sorriso representa a alegria que ela sentiu por estar livre, por entender que tudo aquilo era negativa para ela e que agora ela pode ser quem realmente ela quiser ser.

Semiótica para retratar o conflito entre a modernidade, individualidade e empatia coletiva

Além da temática do fim de um relacionamento, a história pode representar também a luta entre a modernidade e a tradição. O folclore sueco é explorado e confrontado com as ideias urbanas modernas de alguns estudantes americanos de antropologia.

Os visitantes podem representar facetas mais negativas da modernidade em relação à toda aquela tradição: Christian representa a frieza (como quando reagiu a morte da família da Dani) e mentira (como quando disse não ser amigo de Josh); Josh pode representar a individualidade excessiva (ele queria ser o único a estudar aquela comunidade) e a ambição (queria o livro sagrado a qualquer custo); e Mark pode representar a futilidade (não respeitou o tronco sagrado) e a luxúria (já que quis ir na viagem apenas para “pegar” algumas suecas) — além do casal britânico que não teve empatia com a comunidade no momento do Attestupa.

E essas características da modernidade representadas pelas personagens entra em contraste com a comunidade que altamente empática e coesa: quando um dos líderes quebra a perna no Attestupa, todo mundo grita junto; quando a Dani começa a chorar, todo o restante das mulheres começa a chorar junto; e quando alguém começa a comer, todo o restante começa a comer junto — num efeito catártico.

A eliminação dos personagens é uma representação de que, à medida que aqueles sentimentos modernos e negativos vão surgindo naquele ambiente coletivo e empático, eles são prontamente eliminados. Ninguém ali tolera aqueles sentimentos. Se deixamos de ser individualistas, essas ocasiões simplesmente morrem. No final, para se livrar da toxicidade, é preciso despertar: escolher os sacrifícios e passar a ser mais empático.

Se libertando do passado — sacrifícios são necessários (imagem: reprodução)

Recomendação: e esse filme me lembrou, em partes, o videoclipe Summer Nights, do grupo catalão SIAMÉS. A criação de vínculos, a recriação do pertencimento e tudo em pleno verão. Fica como uma indicação das minhas lembranças.

Siamés — Summer Nights

Edição e revisão realizadas por Gabriela Prado.

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Bruno Oliveira
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Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.