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Juliana cajives
cajives
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3 min readAug 10, 2019

Foi na primeira aula do curso de Guarani do Brasil, mais especificamente, Guarani Mbyá, que a professora Ivana Ivo destacou no quadro o elemento mais importante da língua. Ficou lá gravado, no centro de um círculo chamativo, a palavra Silêncio (em maiúscula, pois é ciência). E olhando para o silêncio e para as pressas, me lembro de quando dei aulas de inglês em algumas escolas de idioma, dessas que prometem sucesso, futuro, sair falando fluentemente em 6 meses. Lembrei também de como precisei me tornar uma pessoa ansiosa para sentir alguma identificação no mundo. Se silêncio é o contrário de pressa, eu me sinto uma silenciosa repreendida pela urgência da fala.

Os Guarani (aqui não há flexão, vide ABA), pelo meu conhecimento distanciado, adquirido apenas em filmes, leituras e nesta aula, em compreensão de toda a diversidade dos povos, possuem o poder desse silêncio e respeito à fala do outro; há sinal para o fim de uma fala e início da outra (não me arriscarei a especificar esse sinal, pois minha caixinha de conhecimento é demais vazia). E eu, que compreendo errado a mim mesma e ao mundo o tempo inteiro, achava que meu incômodo quando interrompiam a minha fala era apenas por ter sido cortado meu direito de demonstrar meu discurso, de desfilar minha eloquência (por segurança, julgo-me sempre o mais mesquinho dos seres, e isso é mesquinho e também é outro assunto). Mas errei na leitura e meu incômodo não era vaidoso, pois quando me interrompem, me tiram não o direito de falar, mas o direito de pensar, não é sobre mostrar rapidamente para as pessoas quem sou, o que penso e o que sei do mundo, mas é sobre pensar junto e deixar a minha imagem ser construída.

E para me adequar às pressas, tornei-me apressada. A lentidão ficou trancada em mim, meu silêncio foi calado. Eu gosto do tempo das risadas e do tempo da respiração e não gosto de criar no indígena a imagem daquele vitimizado absoluto ou do xamã sábio, como num desenho animado. Aqui penso acerca de uma sabedoria de silêncio que não está na fala de um senhor dizendo coisas enigmáticas sobre como a lentidão é a verdadeira sabedoria, não. Quero dizer que se há espaços entre nós, há ar o suficiente para respirarmos tudo o que podemos ser diante do outro. Se dois corpos não ocupam o mesmo lugar, é porque entre os corpos há ar a ser respirado e há imagens a serem vistas.

Quando trabalhei em escolas de inglês, todas elas tinham a exigência de que eu deveria falar apenas em inglês com os alunos, mesmo que eles não entendessem nada. Eles perguntavam o que significa aquilo que acabei de dizer ou escrever no quadro e eu deveria me segurar para não dizer, no risco de alguma coordenadora aparecer de surpresa na sala de aula. Houve uma reclamação um dia de que os meus alunos estavam demorando para falar algumas coisas e quando a coordenadora entrou um dia na sala para avaliar minha aula, eu estava sentada no chão com os alunos, em silêncio depois de ouvir uma música. Foi assim que fui, orgulhosamente, demitida de uma escola que fazia encontros bíblicos em inglês.

Eu amo as palavras. Amo quando nascem peladas de dentro da boca de alguém, e é assim que o significante precisa do silêncio para ganhar significado. E eu não vejo a hora de ser fluente em Guarani e de falar numa longa pausa de liberdade. Estou com pressa para destrancar e deixar correr as minhas esperas.

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