A triste morte do Facebook

Estamos assistindo a um rápido processo de Orkutização da rede social criada por Mark Zuckerberg

Robson Felix
Cala a Sua Boca e Pega Logo a Saideira!
5 min readMay 29, 2016

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Assistimos a uma morte lenta, gradual, porém, em curso, do Facebook. A proliferação de clichês — próprios da segunda onda das redes sociais — e a criação de nichos, via polarização de ideias, parecem ir de encontro aos ideais elevados (e utópicos) de seu criador. A criatura tentacular agora possui vida própria. E diferente do que se esperava, não estamos mais abertos à ouvir opiniões contrárias às nossas nas redes sociais do que na vida real. Estamos entrincheirados (apenas) com pessoas que vão reforçar positivamente nossas ideias toscas e rasas. É um zum-zum-zum, monocórdio e chato que não nos permite pensar de forma realmente sensata. Hoje pode ser que em sua timeline haja uma avalanche de “Não Vai ter Golpe”, amanhã de “Não à Cultura do Estupro”, e as vozes em uníssono não se ouvem. As vozes divergentes (como eu, muitas vezes) não se ouvem ali por pura preguiça. Não que estes assuntos não mereçam ser debatidos, repudiados ou o que quer que seja… mas, todo e qualquer bom debate tem o direito (e o dever) do contraditório. Todas as vertentes de uma ideia merecem ver a luz do dia. O Facebook está para a internet assim como a TV aberta está para a mídia tradicional. Tudo é raso. Tudo é generalização, cultura de massa… massa essa de manobra de assassinos de reputação, justiceiros e carrascos virtuais como eu e você. E como em uma pesquisa de opinião, ninguém é feio, tem bafo pela manhã, frieira, ou… sangue correndo nas veias. Todos são bons, fiéis e confiáveis nas redes sociais. Todos são assépticos, boas mães e cagam cheiroso.

Por isso prefiro o Medium.

Aqui as pessoas ao menos aceitam que erram, contam suas derrotas e muitas das vezes se orgulham delas, pois são as únicas coisas que possuem, de verdade. Isso é sinal de risco, de busca por autoconhecimento e de maturidade. O Medium é um sinal de que há vida inteligente na terra. Os assuntos do Facebook ainda estão (de forma incipiente) presentes aqui, mas não só eles. No Medium a cacofonia do lugar comum dá espaço para a experimentação e o risco. Todos entendem que não é porque você escreveu uma história sobre um estupro (sob a ótica do estuprador) que você é a favor desta violência. Não. O Medium é o estado da arte projetado em vida, profetizado por Foucault (ao menos para quem gosta de ler e escrever, como eu).

Mas, o que assistimos hoje é a morte da aritmética, não da matemática.

Na real, estamos todos sem saber para onde vamos. Vivemos em um grande laboratório, fruto do avanço galopante da tecnologia que nos sufoca de hábitos e padrões tão inéditos quanto irrelevantes, e que “eles” nos induzem a crer que sempre estiveram presentes em nós.

O fato relevante é que o futuro não me parece ser do Facebook. Eu mesmo (um entusiasta que sou das redes sociais) venho gradualmente, deixando passar aniversários de amigos — E quer saber? Nos tempos atuais ligar para alguém é que é um ato de amor. Se é aniversário, eu ligo… não mando mais mensagens virtuais — , evitando curtir fotos de crianças e famílias felizes e vídeos de animais engraçadinhos e fofos. Na verdade, eu estou com preguiça da síndrome da felicidade absoluta, inerente às redes sociais em geral (e ao Facebook, em particular).

É claro que existem as redes sociais verticais como o Twitter e o LinkedIn(em que nem todos os seguidores tem um respaldo em nossas vidas reais), e as redes sociais horizontais (Facebook, G+) onde lidamos com pessoas que supostamente já vimos (ao menos uma vez) no mundo real, o que causa a pseudo-sensação de segurança e o reforço positivo de nossas premissas ideológicas, gerando maior exposição (voluntária e involuntária).

De qualquer forma a segunda onda do fenômeno das redes sociais está morrendo. É triste, mas… vem aí o predomínio das redes sociais com afinidades específicas (do tipo Medium, Instagram, YouTube). Um paralelo no mundo real seria a televisão paga, onde a cultura de nicho não se interessa por uma audiência geral e sim por um segmento específico.

Aqui no Medium tenho 10% da quantidade de amigos/seguidores que tenho lá no Facebook. E o pior (ou o melhor?) é que poucas são conhecidas. Mas, me sinto confortável neste ambiente pois as pessoas aqui me parecem interessantes… produzem conteúdo (ainda por cima escrito) e trocam ideias velhas por novas. É uma audiência qualificada.

É aqui no Medium que deságua todo o rio de textões que está dominando o Facebook.

O futuro das redes sociais é o conteúdo.

Esta visão ainda não foi explorada de forma mais ampla, mas já está entre nós há tempos. Se você curte fotos, textos, ou vídeos, já existe uma rede social para você chamar de sua, há algum tempo.

Nos cabe agora pensar em uma maneira (também) revolucionaria de sermos remunerados compartilhando o que mais gostamos de fazer, sem sermos invasivos, chatos, antipáticos ou excludentes. Precisamos nos espelhar nos jovens influenciadores do YouTube, que desbravaram sozinhos todo um mercado de trabalho.

Quanto ao Facebook?

Me parece que ele pecou por sua falta de foco, e por sua proposta genérica, ideológica (demais) e superficial (em excesso)… privilegiando futilidades e idealizações de um ser-humano bondoso e moralmente perfeito, com um objetivo não declarado de formação de uma base consistente de audiência para qualquer porte ou perfil de anunciante potencial e muito menos bem-intencionado.

Para ilustrar a cacofonia que se ouve por lá, no Facebook, listo o que captei hoje em uma rápida passada de olhos.

Os jargões que sinalizam o caminho de massificação da língua nativa e de procedimentos sociais, vai além do reforço positivo das premissas dos ‘politicamente corretos’.

Tudo somado está formada a tese de Orkutização (no sentido de massificação de ideias) da rede social criada por Zuckerberg e sua consequente morte (à exemplo do que aconteceu com seu antecessor):

— Hoje é o dia dele(a)…

[Início de textão parabenizando alguém que mal conhece (apesar de morar com ele), por ocasião de seu aniversário…]

— O time jogou bem, mas o técnico…

[textão/resenha sobre a rodada do seu time do coração de algum morador da Barra da Tijuca…]

— Afff…

[Quando faltam adjetivos e/ou a argumentação do digitador é inexistente…]

— ejeeeeeeffhdhds sbdddrrufvv

[“Afff, que gracinha o bebê dela já tá mexendo no celular” (com 2 dias de idade)]

— Quem me conhece, sabe…

[Ué? Pensei que todos os seus amigos do Facebook te conhecessem]

— Pode isso Arnaldo?

[Expressão utilizada para questionar atitudes questionáveis]

— Confere produção?

[O mesmo que a expressão acima]

— olha ela…

[Uma expressão cunhada a partir da observação sádica do sincericídio de uma forte concorrente de um famoso reality show de uma emissora de tv aberta]

— Parece que o jogo virou, não é mesmo?

[Expressão virtualmente cunhada para revelar sarcasmo com qualquer uma das milhares reviravoltas que a vida dá]

— #sqn

[Uma das primeiras expressões que vieram para questionar o mundo idealizado vendido nas redes sociais…]

— Fulano sendo fulano…

[O óbvio jactante.]

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