Robson Felix
Cala a Sua Boca e Pega Logo a Saideira!
3 min readDec 19, 2023

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EGO

Dia cinza, chuvoso...
Um bom lugar pra ler um livro, segundo Djavan.
Mas, eu preferi pedalar.
Meu radar detectou um elemento suspeito próximo ao totem da bike Itaú.
Senti arrepios por todo o corpo, porém segui em frente e devolvi a bike.
Pensei em recuar, mas lembrei-me que eu estava em frente à Marinha do Brasil.
- Suave... - pensei alto.
- Salvê! - Cumprimentei o indivíduo, tentando dissipar meu pânico.
O segredo de tudo na vida é a comunicação...
Demorei mais de uma vida pra entender isso.
Mas, não hoje...
Hoje eu não estava a fim de papo.
Bike entregue, sigo meu caminho em direção ao CCBB.
Desconfortável, mas sempre em frente... e sem olhar pra trás.
- E se ele estiver logo aí atrás e com uma faca em punho e te apunhalar pelas costas?... Aquela alma queria falar, tu não se ligou?... Vais negar um abracinho, um passe, uma oração?... seu cristãozinho de merda!?
Bela tentativa, medo... ou eu deveria te chamar de ego, vulgo sabotador?!
Também demorei mais de uma vida até conseguir chamar as coisas pelo seu devido nome.
- Ei...
Porra, dessa vez não era o ego.
Estanquei:
- Fé! Em que posso te ajudar?
- Aquela parada, mais tarde, ainda está de pé, não é?
- Do que você tá falando, moço?! Dá o papo... e não me toca, que eu não sou touch screen - tentei, já antecipando e me esquivando do cutuco do andrajoso homem - eu preciso ir ali no CCBB... e você não vai ficar andando atrás de mim, né não?! Ah, mas não vai mesmo.
As pessoas passavam por mim e me olhavam assustadas, como se eu estivesse falando sozinho.
Só aí me dei conta da situação surreal em que eu me encontrava. - Olhe bem onde eu estou e olha onde você está, seu moço. Observe bem... aparentemente somos iguais, mas estamos em lugares mentais diferentes... então segue o teu caminho, 'seu' quiumba!
O homem pareceu assustar-se.
- É, eu já entendi, já... - disse ele, afastando-se de costas.
Olhei em volta e para o alto.
Àquela altura eu já estava em frente à candelária...
- Quer que eu te encaminhe pra luz, 'seu' quiumba?! - gritei ao longe pro homem, agora sentado numa mureta a uma distância segura.
Ee levantou os olhos em minha direção, parecendo não acreditar no que ouvia.
Ajoelhei-me no chão molhado e comecei a ladainha:
- "Pai nosso, que Estás no céu, santificado seja o Vosso Nome..."
À minha esquerda dois guardinhas do centro-presente me olhavam, sem entender nada do que se passava em sua frente.
- O que foi? Nunca viram um cristão falando sozinho, seus meganhas?! - esbravejou o ego, aparentemente tentando me defender. Um de seus truques mais manjados.
Fechei os olhos e os ouvidos e continuei:
"Seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu..."
[CORTA]
Ao abrir novamente os olhos eu agora estava em um karaokê, na Rua Barão de São Felix... microfone em punho, Evidências no telão, cerveja verde e gelada na camisinha e uma morena, com olhos de ressaca, em minha frente na mesa, me olhando com admiração.
Sem entender o que estava acontecendo, olhei em volta e lá estava o quiumba, do lado de fora do bar... levantando o copo americano em minha direção, em sinal de brinde... e com um sorriso no rosto, afinal, eu havia sido tragado pelas vibrações baixas do ego para aquele encontro marcado pelas trevas.
- Perdi de novo pro sabotador... merda! Mas, fazer o quê?! Uma vez no inferno, abrace o capeta! - pensei alto no microfone, enquanto me preparava pra cantar o refrão:
"E nessa loucura de dizer que não te quero
Vou negando as aparencias
Disfarçando as evidências..."

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