Enterro de pobre
Sobre a não aceitação da imponderável morte
Já viu enterro de pobre?
É triste, né?
É um tal de “eu quero morrer também”, “me leva junto contigo”, “como isso pode acontecer com nossa família”, que dá dó, viu?
Geralmente esta família é desprovida de tudo, mas principalmente de um olhar benevolente do Estado.
Mais sujeitos à violência urbana, já me acostumei a ver enterro dessas famílias desassistidas pela televisão, geralmente vítimas de uma bala perdida ou de uma troca de tiros entre a polícia e bandidos, o quê, no final, é a mesma causa mortis.
Não é exatamente a classe social que distingue este tipo específico de enterro, mas a falta de consciência do imponderável a que estamos submersos.
Algum espaço interior é requerido, e uma orientação espiritual é extremamente desejável, nessas horas difíceis.
A nossa própria consciência da morte deveria nos preparar para a derradeira hora.
Mas, não é (sempre) assim que funciona.
Vejo gente fazendo corrente virtual para que o seu moribundo querido não morra, em detrimento de seu estado geral.
Puro egoísmo?
Não.
Talvez, não.
A morte não é tão simples assim.
“Ah, mas você fala isso porque nunca perdeu ninguém”, me dizem amigos.
É verdade, não mesmo.
Minha avó fez cem anos este ano.
Minha piada interna familiar preferida sempre foi fingir surpresa no almoço do dia de finados olhando para minha pobre avó: “mas, estamos comemorando o quê se não morre ninguém nessa família”.
Desta forma (cruel, não acha?) eu declarava que estavam abertos os jogos de maldade do dois de novembro.
Tecnicamente minha avó seria a primeira da lista, mas sempre existem os furões (eu posso ser um).
A morte não respeita hierarquia familiar.
Penso em tudo enquanto me vem à memória o enterro do neto de um grande filólogo brasileiro.
Morto em uma queda de skate aos vinte anos, sua partida tão cedo surpreendeu a todos.
Calado em um canto, aquele homem do alto de seus setenta e tantos anos se questionava internamente sobre a presença da imponderável morte no seio de sua querida família.
Mas, o seu semblante denunciava a aceitação de seu triste destino.
Diante do imponderável, só nos cabe mesmo aceitar o nosso (nem sempre alegre) destino.