Eu vivo de luz

Como eu parei de “comer com os olhos”

Robson Felix
Cala a Sua Boca e Pega Logo a Saideira!
3 min readJul 28, 2016

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O Fisiculturista

Na juventude fui fisiculturista. Na meia idade alterno meses de academia, com o ócio absoluto que pode durar anos. Aos quarenta anos tive um surto de academia. Esportista longínquo, fiquei extasiado com a quantidade de suplementos disponíveis. Na minha época era batata e macarrão, lembrei. Comecei tomando uns comprimidos de aminoácidos harmonizados com uns shakezinhos de whey. Depois passei a trocar o almoço pelos suplementos. Eu, que até então nunca havia passado dos 70 kg, ganhei peso, minha pele ficou viçosa com a visível retenção de líquido por entre os músculos. Em menos de seis meses tive pedra nos rins. Um mau sinal, pensei.

Sou magro, mas “como com os olhos”

Sempre “comi com os olhos”. Sou presa fácil para restaurantes à peso. Coloco quase um quilo e como trezentos gramas. Me satisfaço rápido, pois mastigo sem pressa. Este é o segredo que meus olhos não desconfiam.

A crise da meia idade

Após fazer quarenta anos, com a ajuda controversa de suplementos alimentares, ganhei peso. Cheguei a pesar 80 kg. Nada grave, mas um novo corpo, para quem nunca passou dos 70kg. Inchado pelos suplementos misturados ao álcool que azeitava as relações sociais de um segmento profissional de pavões que em tudo vê motivo para festas, eu não me reconhecia nas fotos. Analisando os idosos nas ruas de Copacabana, percebi que os que me pareciam mais saudáveis eram os mais magros. E não vai aí nenhuma observação estética e sim de cinestesia. Eles se viravam melhor. Nitidamente. Resolvi colocar meus olhos num spa.

Preciso me lembrar de comer algo

Eu morria de inveja de alguns amigos do curso de teatro que eu frequentava na juventude. Eles se entregavam à profissão de tal forma que, se necessário, passariam fome por ela. Pois bem. Eu queria ser arrebatado por uma força similar, algo que me fizesse esquecer de comer. Cedo descobri a leitura, mas logo ficava frustado ao lembrar que, aquele livro que me arrebatou tanto, não havia sido escrito por mim. Resolvi escrever algo que eu gostasse de ler, misturando tudo o que meus olhos tinham visto. Tomei gosto. Perdi a vergonha. As horas passavam e eu não me lembrava de comer e eu não sentia uma queda de energia por estar em jejum. Meus olhos pareciam se alimentar das letras. Era verdade que uma saudável sopa de letrinhas inundava o meu computador e minha mente, mas não tinha sabor, eu não sabia que as comia. Porém, eu me sentia bem. Eu havia alcançado o nirvana, a iluminação, a epifania. Eu já conseguia viver de luz (ou de letras).

Será que já comi?

Alguns chamam isso de vocação, outros de transe mediúnico, os mais velhos falam em encosto.

Não sei dizer.

Na verdade, não me lembro, nem mesmo, se já comi algo hoje.

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