O Monstro de Jennifer Kent

Calebe Lopes
calebelopes
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3 min readJul 29, 2018

Dica de curta dos bons ;)

The Babadook, disponível na Netflix Brasil

Essa semana o Festival de Veneza anunciou os filmes selecionados para mais uma edição, e uma das surpresas da lista de seleção oficial, ainda incompleta (para além da presença dos Irmãos Coen com seu filme produzido pela Netflix que anteriormente era minissérie), foi a quase ausência de realizadoras femininas na competição. A única selecionada, até então, foi a australiana Jennifer Kent, com seu “The Nightingale”, thriller de época com sinopse promissora: na Tasmânia, em 1825, uma irlandesa de 21 anos testemunha o assassinato brutal de seu marido e bebê por um soldado e seus comparsas. A mulher faz aliança com um aborígene e, juntos, partem para a vingança.

Jennifer Kent (Foto: Divulgação)

A única diretora mulher da competição é conhecida por seu longa anterior, o filmaço de estreia The Babadook, um dos filmes de terror mais interessantes dos últimos anos, facilmente encontrado na Netflix (onipresente). O que não é muito falado, no entanto, é que Babadook é a extensão de um trabalho anterior da cineasta australiana, o excelente curta-metragem Monster.

Apresentando quase que o esqueleto de toda a estrutura do que viria a ser o longa de 2014, o curta-metragem de 2005 é um eficiente exercício de gênero, onde a forma prevalece sobre a trama, e onde a construção de tensão é a voz da vez. Em rápidos 10 minutos e auxiliada por uma montagem que de tão enérgica acaba por aumentar o desconforto a cada corte, Kent estabelece a criação de uma atmosfera crescente, repleta de escolhas sábias e munida de uma decupagem riquíssima.

Cada escolha é calculadamente pensada, e o mal estar começa desde quando a câmera é colocada embaixo da cama (plano, aliás, que é refeito em The Babadook), estabelecendo um dos pontos de vista que guiarão a trama. A história é a mesma do longa, embora menos sofisticada. O que importa, aqui, é a construção de tensão, num filme belamente fotografado num preto e branco sinistro, que aproveita as sombras e cantos escuros do quadro de maneira esperta. Onde não há luz, há suspeitas. Há também um bom uso do som, uma trilha sonora discreta e um design habilidoso, sempre buscando o incômodo dos ruídos.

Monster, um filme família

Por fim, há de se ressaltar uma característica que me tira facilmente um sorriso do rosto: Kent sabe quando mostrar o tal monstro. Em uma era onde tudo apela pro psicólogico e pro alegórico (incluindo, aí, o próprio Babadook), é reconfortante ver uma cineasta não ter medo de apresentar sua criatura fantástica. Gosto quando o filme nunca mostra direito e brinca com nossa imaginação, isso é ótimo, mas sempre dá um gostinho diferente quando se assume o fantastique por completo e se mostra, se revela o corpo estranho, com a montagem deixando o take respirar e o público poder ver melhor aquilo que se esconde nas sombras. No fim, o filme ainda consegue ser emocionalmente bonito, terminando de maneira similar ao longa.

A diretora disponibilizou há um tempo o curta em seu canal do Vimeo, e depois de ler tudo acima, espero que quem nunca tenha assistido tenha sede o bastante pra mergulhar no pote abaixo.

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