Por um cinema mais brega

Calebe Lopes
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3 min readDec 1, 2018

A culhuda é o novo cool

As Boas Maneiras e seu lobisomem que nem parece um lobisomem de verdade

Chega. Cansei do cinema-verdade, do cinema naturalista, do cinema que imita a vida. Aliás, se este imitasse realmente a vida, seria mais cafona, porque estamos condicionados a esse tempo morto constante, a um roteiro repleto de anti-clímaxes, onde o ritmo cai a todo instante, onde os personagens nem sempre são complexos, e onde o tom nunca é bem definido — existe lugar onde mais o choro se mistura com risadas do que um velório?

Se somos o que consumimos, se nosso inconsciente é permeado por uma construção do que assistimos durante toda a vida, está na hora de se assumir essa breguice. Somos uma imitação mal feita duma imitação mal feita do que deveria ser a vida. O naturalismo sempre vai ter seu lugar, mas chega dele ser o parâmetro.

Cansei de “teatral” ser um termo usado de maneira pejorativa quando se fala da encenação de um filme ou do trabalho de seu elenco. A verossimilhança com a realidade deveria ser cobrada dos filmes que se propõem a essa realidade, apenas a eles.

Assumamos o cinema como a terra da probabilidade mínima, onde a combinação mais inexata do jogar dos dados é a mais certa de cair. Em tempos de pós-modernidade, de Nolanização do blockbuster, de filmes com paleta de cor sombria e personagens frios e calculistas, até o terror, coitado, precisa de explicações lógicas.

Outro dia vi alguém reclamando de As Boas Maneiras (2018), de Juliana Rojas e Marco Dutra, por o filme não ser “verossimilhante”, afinal, “onde já se viu a Polícia de São Paulo deixar uma mulher periférica criar um bebê lobisomem na favela”? É o fim, minhas caras e meus caros.

O brega virou risível. O tosco precisa voltar a ser o novo cool. Há pouco ainda estávamos celebrando toda a atmosfera dos anos 80, agora já estamos iniciando a revisitação dos anos 90. É época de abraçar a breguice, a tosqueira. Não tem problema não ser realista. Não tem problema ser, nitidamente, maquiagem. Não tem problema não parecer “de verdade”.

Sinto falta dum terror brega. Dum dramalhão meloso. Duma teatralidade pensada, proposital, impactante. Um farsesco bem feito, onde o naturalismo seja suspenso, onde as falas não necessariamente precisem ter os cacoetes da “vida real”, com as gírias, sotaques e palavrões que supostamente as pessoas da vida real falam.

Vamos nos permitir abraçar o incompleto, o inacabado, o sujo. Olhem para o lobisomem do As Boas Maneiras nessa foto que ilustra o post. Poxa, ele tem uma cabeça desproporcional em relação ao corpo. Parece um cartoon, parece personagem de desenho animado, parece membro da Turma do Penadinho. E é isso aí, mesmo.

Vamos ter mais cuidado ao julgar o que é uma boa atuação, uma má atuação. Vamos nos desapegar dos “furos de roteiro”. Cinema é uma mentira contada para parecer uma verdade. É tudo falso e igualmente verdadeiro. É brincar de mentirinha. Eu não ligo se uma pessoa não consegue fazer o que o Toretto faz em Velozes e Furiosos. O massa é que o cinema permite ele fazer. Vamos celebrar a culhuda, porque ela só é possível por causa do cinema. O cinema é o lugar de ser e fazer o que nunca te permitiriam ser e fazer no que você chama de vida real.

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