Precário manifesto dos filmes sem função social

Calebe Lopes
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2 min readFeb 10, 2022

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Pela liberdade de ocupar narrativas não tão urgentes

Kyrie ou o Início do Caos (1998), de Debora Waldman

Estamos aqui pelos filmes desnecessários.
Não pelos filmes que prestam algum desserviço para causas essenciais, entenda. Esses são repudiáveis e merecem o combate, porque a construção de novos imaginários e novas imagens é necessária.
Mas queremos os filmes sem utilidade social.

Filmes que não prestam para nada além da experiência cinematográfica.
Queremos o filme de terror sem alegoria, a ficção-científica sem metáfora, o drama humano não-edificante, a comédia sem sátira politizada.

Não queremos pensar. Não, melhor: queremos que o sentir venha antes do pensar. Preferimos o filme que leve às lágrimas do que o que busca a reflexão. Queremos o filme que implante perguntas em nossas mentes, não o que vem trazer mensagens. Aqueles filmes que a gente só entende com o tempo, porque germinam como ideias e envelhecem como vinho. Filmes que não são sobre o agora, mas sobre os sonhos de amanhã.

Aqui o urgente, o necessário, o importante, o soco no estômago, a realidade nua e crua não tem vez. Precisamos sentir e recuperar a linguagem. Precisamos entender que o amor é maior que a palavra, e que a causa jamais vai superar a construção de discurso mediante a forma.

Porque intenções políticas não fazem filmes bons, porque filmes são gestos de alquimistas em busca de um ouro que só será formado mediante as graças de um público que se permita sentir seu universo antes mesmo de racionalizá-lo (porque o excesso de interpretação mata a experiência!).

Queremos os filmes que nada acrescentam. Mas que chacoalham, perturbam, provocam sem saídas fáceis e nos falam em imagem e som, utilizando palavras somente quando necessário — ou seja, nunca.

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