Sobre editar um podcast

Calebe Lopes
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5 min readAug 22, 2021

“O Frango Verde” e a construção do real

No dia 8 deste mês de agosto estreou o episódio CPI do Turismo Intestinal, do podcast O Frango Verde. O link para o episódio está ao final do texto e eu realmente peço que você, caro(a) leitor(a), após a leitura, separe uns minutinhos de seu dia para nos escutar. Esse episódio foi o primeiro de um podcast que eu não apenas editei, como também co-roteirizei e co-dirigi. Uma experiência incrível e um esforço enorme que deu muito certo. Sério, vale a pena escutar, vai por mim.

Quem já me acompanha aqui no Medium sabe, trabalho como montador/editor de vídeos há quase 10 anos, colecionando centenas de experiências desde cinema até comerciais, de casamentos a eventos esportivos, passando por evento político e até peça infantil de escola. Sempre tive vontade de editar um podcast, por reconhecer nele toda a potência da narrativa através do áudio, que é uma coisa que nos últimos anos também vem me atraindo no cinema (vez ou outra chega um convite e tenho trabalhado com design de som de filmes). Pensar a narrativa unicamente através do som é uma ideia excitante, sem contar de toda a relação que os podcasts acabam por criar sem querer com o rádio — em especial as radionovelas, de onde saíram histórias que amo, como Besouro Verde e Dick Tracy. Pois bem, há algumas semanas veio o convite para participar de um podcast.

Primeiramente o amigo Waly Ababwa, uma das pessoas mais geniais que conheci na vida, me chamou para co-dirigir com ele esse que seria o episódio mais ambicioso de seu programa até então. Depois, acabei entrando para a escrita do roteiro. Por fim, a tão esperada edição. O programa de Waly, como eu já disse, se chama O Frango Verde — recomendo que você siga no Spotify.

O Frango Verde é um podcast sobre nada e tudo ao mesmo tempo. Waly é um guru, uma espécie de xamã soteropolitano de nossos tempos que está vivo há muitas eras, tendo presenciado de uma perspectiva única eventos muito importantes para a História. É com essa bagagem de quem já viu de tudo que, através de uma simples pergunta-dilema, lança um dos maiores conflitos da humanidade:

você prefere comer só frango a vida toda ou vestir só verde a vida toda?

O programa funciona a partir da participação de um sem número de ouvintes muito esquisitos pro meu gosto, cheios de teorias e bom humor. Eu já era ouvinte assíduo e apaixonado quando Waly me convidou para produzir o tal do episódio ambicioso: a CPI do Turismo Intestinal. A partir de um áudio duma ouvinte que narra sua experiência com a família em um cruzeiro de viagens que deixou todo mundo de caganeira e levantou a suspeita de que laxante possivelmente era colocado na comida à bordo, Waly e eu criamos toda uma investigação absurda, um misto de trabalho investigativo jornalístico digno de um The Intercept com teorias da conspiração bizarras que envolvem gente da vida pública e até do governo federal. Não é porque eu fiz não, mas novamente recomendo que escute. Tá engraçado.

Pois bem, alguns parágrafos depois, cá estou para falar sobre a experiência em si da edição, que foi o que motivou a escrita desse texto nesse blog que é, basicamente, sobre cinema. Para minha surpresa, Waly me contou que editava o podcast não em programas onde geralmente se trata os áudios, como Adobe Audition ou ProTools, mas no próprio Adobe Premiere que uso há anos para montar filmes. Partir desse lugar facilitaria muito meu trabalho, já que impulsionaria ainda mais algo que desde o início era meu desejo, por mais pretensioso que soe: fazer cinema em áudio.

Nos reunimos e juntamos todas as referências que gostaríamos de beber, de uma forma ou de outra, para a construção de nosso episódio. O Caso Evandro, de Ivan Mizanzuki, sempre foi o principal farol de milha a nos guiar, mas Waly também trouxe podcasts tipo Além do Meme, de Chico Felitti, e Respondendo em Voz Alta, de Laurinha Lero, que já eram referência para os episódios anteriores de nosso programa. Eu recorri às narrativas detetivescas que conhecia, bebendo de vários documentários de investigações criminais sérias, como Murder On Middle Beach, da HBOMax, até literatura e quadrinhos que contemplasse investigação e personagens excêntricos, como os quadrinhos do detetive Diomedes, de Lourenço Mutarelli, e As Aventuras de Tintim, de Hergé.

De alguma forma toda essa salada de frutas está lá, e serviu para nos inspirar às vezes mais, às vezes menos. O que era importante era estabelecer bem todos os pontos cruciais do roteiro, plantar corretamente as piadas e, acima de tudo, construir um programa que sim, é longo (50 minutos, vai) mas que nunca é cansativo, o tempo todo apresentando informações novas, personagens novos, e o principal: tendo “áudios falsos” bem feitos.

Quando você ouvir talvez entenda melhor, mas boa parte da graça do Frango Verde desde o primeiro episódio é a brincadeira com a realidade, misturando áudios reais com áudios falsos, unindo partes de diferentes lugares e criando uma colcha de retalhos muito única e arriscada. Nossa ficção é, formalmente, documental, e lidamos com tudo o que apresentamos nos episódios, por mais fantasioso que soe, como algo muito verdadeiro, muito palpável, muito real.

Tomando como exemplo o primeiro episódio do programa, Tudo no Universo tem a sua Alcione, é preciso que o público não necessariamente acredite, mas que em algum momento, mesmo que por 1 segundo, fique em dúvida se a conversa de Waly com Alcione sobre o namoro que ela teve com Lacan é real. E nesse episódio mais recente, a CPI do Turismo Intestinal, temos muitos exemplos assim. Os registros precisam ser críveis, tudo precisa ser verossímil para além da própria diegese do programa. A graça não é fazer você acreditar no que ouve, mas em algum momento cogitar que aquilo ali pode ser real. É assim que se constroem as narrativas cinematográficas, de uma forma ou de outra: contamos uma mentira para ser recebida como verdade.

Pois bem, no fim deu tudo certo. Lançamos o episódio há duas semanas, as pessoas têm amado, os feedbacks têm sido positivos pra caramba e eu fico particularmente feliz quando ouço o que as pessoas acham sobre a edição, a mixagem, enfim, a qualidade e principalmente criatividade do som. Quero fazer mais. Já estamos fazendo, aliás. Se surgirem coisas legais sobre o processo para comentar, volto e escrevo novos posts. Obrigado por ter lido até aqui. Agora é hora de escutar o programa! Estamos em todas as plataformas de áudio (inclusive YouTube!), basta procurar “O Frango Verde”. Abaixo, deixarei o link do Spotify.

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