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Lama à vista!

Praças na Zona Sul de Porto Alegre apresentam precárias condições de manutenção, mas a comunidade espera por melhorias

Isabelle Rieger
Caleidoscópio

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Praça no bairro Santa Tereza, Zona Sul de Porto Alegre, tem brinquedos danificados e lixo espalhado pelo chão. Fotos: Isabelle Rieger

As praças são espaços públicos, democráticos, de socialização e de lazer nos centros urbanos. Na capital gaúcha, no entanto, algumas pracinhas apresentam uma estrutura precária, o que, muitas vezes, dificulta o uso de quem as procura. Esse é o caso das áreas verdes Dante Barone e Rejane Vieira, da Zona Sul, onde brinquedos quebrados, limo nos bancos e lixo no chão marcam presença.

No bairro Vila Assunção, na Zona Sul, existem 13 praças, segundo registro da prefeitura. Pelo menos três são geridas por empresas, pessoas físicas ou associações de moradores, como a João Bergmann, por exemplo, que é administrada pela Escola Bilíngue Portinari. Já a Praça Dante Barone permanece sob os cuidados da prefeitura e fica ao centro da rua Parangá, rodeada por casas e por condomínios de classe média alta e recebe reclamações dos moradores do entorno.

O morador do bairro Francisco Lima critica, principalmente, as condições dos bancos da Dante Barone, que estão com limo, e dos postes, que apresentam falhas na pintura. Ele compara o local com a Praça João Bergmann, que fica na quadra ao lado e que está com os reparos em dia. Apesar das críticas, Lima destaca que a gestão de Sebastião Melo (MDB) na prefeitura de Porto Alegre tem sido, em geral, positiva para a situação das praças. “Cortam grama todo mês, é maravilhoso”, relata. Ele também conta que plantou uma muda da espécie Espada de São Jorge e que, com o chão da pracinha bem-cuidado, o ramo cresceu.

A espada de São Jorge foi plantada na Praça Dante Barone pelo morador do entorno Francisco Lima
A Praça João Bergmann teve pintura recente dos brinquedos realizada pela sua adotante, a Escola Bilíngue Portinari

Crianças em risco em praça na Vila Cruzeiro

Garrafas quebradas na grama, lixo nos valões e redes de goleiras furadas fazem parte dos limites da praça Rejane Vieira, localizada no bairro Santa Tereza de Porto Alegre. No terreno ao lado da Escola Municipal de Ensino Fundamental Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, a pracinha é alvo de reclamações dos moradores. “Vira e mexe recolho os cacos de vidro no chão para as crianças poderem brincar”, relata a moradora da região Elisabeth da Silva. “As crianças andam sempre descalças, podiam andar de tênis ou então ter um campinho decente para brincar”, pondera.

Lixo no chão e redes de goleiras furadas estão integrados no cenário para quem brinca na Praça Rejane Vieira

A quadra da pracinha apresenta desnivelamento do piso, restos de lixo e buracos no chão. As crianças relatam lesões por causa das condições das praças, como a de Weslley Silva, 11 anos, que fraturou os dedos do pé direito jogando futebol. “Eu gosto de brincar aqui, mas não é sempre. Meu jogo favorito é futebol, mas às vezes a gente se machuca no campo”, complementa Lorenzo Lisboa, 9 anos.

Para tentar solucionar o problema de manutenção das condições de uso da pracinha, Wagner da Silva, que mora em frente à Rejane Vieira, realizou a inscrição para ser o prefeito do local. Esta é uma função voluntária, prevista pela gestão do município como forma de auxílio na administração das áreas verdes. O cadastro pode ser realizado por qualquer cidadão via internet. Assim que aprovado, o prefeito passa a ser responsável por encaminhar as demandas de manutenção da área para o poder municipal. Wagner recebeu seu certificado de prefeito no dia 10 de dezembro de 2022 e tomou posse no dia 22 daquele mês, em cerimônia realizada pela prefeitura para comemorar os 250 anos de Porto Alegre com mais de 250 prefeitos de praça.

Mesmo assim, alguns moradores ainda não sabem do novo prefeito. Uma placa pedindo melhores condições para os brinquedos da praça chegou a ser instalada na primeira semana de fevereiro e foi levada durante as chuvas do final daquela semana. A iniciativa foi de Paulo Mendes, morador da região e grafiteiro, que cansou de ver os brinquedos sem crianças. A revitalização da pracinha já está sendo planejada pelas equipes da prefeitura em conjunto com o novo administrador da praça e, segundo a Secretaria Municipal de serviços Urbanos (SMSUrb), será realizada em 2023.

Praça no bairro Santa Tereza, Zona Sul de Porto Alegre, tem brinquedos danificados e lixo espalhado pelo chão

Programa Adote Uma Praça tem mais de 250 prefeitos

A cidade de Porto Alegre tem pelo menos 684 praças, contabilizando 4 milhões e 900 mil metros quadrados de áreas verdes. Estas têm sua manutenção como responsabilidade da prefeitura, mas podem ser repassadas para pessoas físicas ou jurídicas, como escolas, ONGs, empresas, grupos de cidadãos por meio do Programa Adote uma Praça. O adotante, assim, vira o responsável pela conservação da pracinha, realizando os pedidos de manutenção dos equipamentos existentes, organizando hortas comunitárias e eventos.

Os prefeitos das praças, pessoas nomeadas voluntariamente para a função, realizam também o intermédio entre as necessidades do espaço e a conexão com a gestão municipal. “Eles são um ponto focal de relacionamento com a prefeitura”, afirma Marcos Felipi Garcia, secretário municipal de Serviços Urbanos. Os prefeitos das praças, segundo Garcia, têm um grupo de Whatsapp entre eles com a gerente das prefeituras das praças, cargo comissionado da prefeitura. O atendimento das demandas, dessa forma, é mais rápido, garante Garcia.

Qualquer cidadão, se verificar danos nas estruturas da praça, pode requisitar o conserto por meio do site da prefeitura. O prazo para a execução do serviço é de 66 dias. A gestão municipal também faz a fiscalização das empresas que ganharam a licitação para o corte de grama e eventuais serviços de reparação das áreas verdes. Existe um cronograma pré-estabelecido, acordado entre empresa e poder público, disponibilizado no site da SMSUrb.

“Serviços como saneamento básico, segurança e manutenção dos espaços públicos apresentam maior desgaste em áreas mais pobres”, Artur Klassmann, professor de geografia

Na Zona Sul, é a Arieti Engenharia Eireli quem faz o serviço terceirizado. Para observar os serviços nas mais de 600 pracinhas, a prioridade elencada pela prefeitura são as que têm prefeito, as que estão há mais tempo sem revitalização, as mais chamadas pelo número de atendimento cidadão e as que entraram na ouvidoria pela demora no atendimento, explica Garcia.

No entanto, ao repassar a gerência das pracinhas para os prefeitos que fazem parte da comunidade, é invertida a lógica de administração dos espaços públicos, que fica descentralizada e exime o poder público de sua responsabilidade, colocando todo peso de manutenção nas mãos dos cidadãos, argumenta Artur Klassmann, professor de geografia e mestrando em metodologias de ensino no Programa de Pós-Graduação em Geografia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “O serviço público não chega da mesma forma nas periferias e nos bairros de maior poder aquisitivo, o que significa que serviços como saneamento básico, segurança e manutenção dos espaços públicos apresentam maior desgaste em áreas mais pobres”, afirma Klassmann.

A pracinha que antes era de todos os moradores agora tem uma pessoa que detém o poder de decisão daquele território, interferindo na forma de ocupação dos espaços públicos, salienta Fernando Campos, coordenador da Amigos da Terra Brasil, entidade inserida no movimento ambientalista brasileiro. “Isso pode deixar os moradores do bairro à mercê de uma pessoa ou empresa que não tem os mesmos interesses que eles”, complementa Campos. Ele reitera que a periferia tem, historicamente, uma falta de serviços oferecidos pelo Estado.

Na Vila Cruzeiro, os meninos do bairro gostam de brincar na pracinha. O lugar favorito de Lorenzo é a quadra para jogar futebol. Ele gostaria de jogar mais na quadra da praça Rejane Vieira. O ano de 2023 pode ser destinado para o esporte, então.

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo da FABICO/UFRGS

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